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No túmulo da renovação extraordinária dos contratos a termo: prolongar a precariedade para lá da Troika…

Não é minimamente credível insistir na teoria, ultrajante em democracia, de que o combate ao desemprego se faz através da degradação das condições de trabalho.

A disseminação da contratação a termo ou a prazo, como vulgarmente é designada, tem vindo a assumir um papel preponderante no quadro da precarização das relações laborais. Importa, contudo, perceber a dimensão que esta questão assumiu no período Troika, mas mais do que isso para lá, e independentemente, da Troika.

A legislação laboral contempla um catálogo fechado de situações que consubstanciam necessidades temporárias da empresa e que podem justificar a celebração do contrato a termo. No elenco dessas situações encontramos a substituição direta ou indireta de trabalhador ausente, a atividade sazonal, a execução de obra ou o acréscimo excecional da atividade empresa motivo usado, recorrentemente, de forma abusiva por parte das empresas. Acrescem a estas causas o lançamento de nova atividade de duração incerta ou o início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores, bem como a contratação de trabalhador à procura do primeiro emprego ou em situação de desemprego de longa duração. O legislador incentiva a contratação de trabalhadores que à partida terão mais dificuldades de empregabilidade recorrendo a estes mecanismos de “flexibilização” de contratação a termo e, por outro lado, permite que grandes empresas, com mais de 700 trabalhadores, possam contratar a termo.

Para balizar o recurso, que já se adivinhava preferencial, à contratação a termo, sobretudo numa lógica de mercado em que os(as) trabalhadores(as) são, fatalmente, vistos como meros custos de produção e a quem se imputam todos os riscos da má gestão financeira de tantas empresas, a lei define um número máximo de três renovações no quadro de um  limite temporal máximo de 3 anos para os contratos a termo certo e de 6 anos para o contrato a termo incerto. Aparentemente, três a seis anos, consoante o tipo de contrato, na expectativa de renovação do contrato e sem qualquer garantia de efetividade findo esse período parece já de si suficientemente penoso. A amplitude do âmbito de aplicação, material e temporal, dos contratos a termos, é um fator de grande instabilidade e pernicioso, sobretudo no quadro de uma relação laboral caracterizada pelo desequilíbrio entre as partes e até contrário ao princípio constitucional da segurança no emprego.

O Memorando de Entendimento com a Troika, quer na versão de 3 de Maio de 2011, quer na versão de 7 de Maio de 2011, em momento algum legitima um aumento do número máximo de renovações dos contratos a termo.

No entanto, a opção política do PSD e CDS PP, em dois diplomas, de 2012 e 2013, permitiu em cada um deles, mais duas renovações extraordinárias dos contratos a termo. Pese embora, a aplicabilidade prática destas renovações tenha cessado recentemente teoricamente, as renovações extraordinárias terminariam em dezembro de 2016.

Já em 2015 as Confederações patronais apregoavam a necessidade de flexibilizar o regime dos contratos a termo e, sabiam-no, em clara violação da lei. É relevante referir que dificilmente a substituição de um trabalhador ou o acréscimo excecional da atividade da empresa perdura por mais de 3 ou 6 anos. Importava apenas manter o trabalhador em situação de precariedade sendo certo que a legislação laboral foi a partir de 2011, e aí sim na senda do Memorando, no sentido de diminuir a compensação por cessação do contrato de trabalho que passou de uma base de cálculo de 30 dias para 12 dias.

O pretexto, cínico, de que esta medida fomentava a empregabilidade como se à multiplicação de contratos de trabalho a termo correspondesse uma forma eficaz de combate ao desemprego, foi recentemente desmentido pelo próprio Pedro Martins, secretário de Estado do emprego de Pedro Mota Soares, durante o governo PSD/CDS.

Pedro Martins, economista que foi responsável por medidas como as aludidas renovações extraordinárias de contrato a termo, a redução das compensações por cessação do contrato de trabalho ou pela lei 23/2012 de 25 de junho. Recordemos a lei 23/2012 de 25 de junho, uma lei de má memória, pejada de inconstitucionalidades, que eliminou feriados, criou figuras espúrias como o banco de horas individual, reduziu compensações por trabalho suplementar, introduziu o despedimento por inadaptação sem alterações introduzidas ao posto de trabalho, eliminou deveres essenciais de comunicação da entidade empregadora à Autoridade para as condições de trabalho como o dever de envio do mapa de horário de trabalho.

Recentemente, o ex-secretário de Estado do emprego publicou um estudo que faz a análise à extensão dos contratos a prazo aplicada em 2012 onde conclui "não se terem observado efeitos substanciais". Adianta ainda que, imagine-se!, o propósito  das medidas de extensão da contratação a termo era combater o "flagelo do desemprego".

O estudohttps://ideas.repec.org/p/iza/izadps/dp10206.html – evidencia uma queda de 20% nas vinculações de trabalhadores com contratos a termo. Em suma, o que as medidas de renovação extraordinária de contratos a termo fizeram foi com que postos de trabalho que correspondem a necessidades permanentes fossem, sistemática e rotativamente, ocupadas por trabalhadores/as precários/as.

Não só não há operação de cosmética que desminta estes números, como não é minimamente credível insistir na teoria, ultrajante em democracia, de que o combate ao desemprego se faz através da degradação das condições de trabalho.

Sobre o epitáfio destas medidas que condenaram a mais, e mais precariedade, os/as trabalhadores/as há que ficar a memória do lastro de destruição que deixaram. É bom que a memória não nos atraiçoe. E respondendo a Vinicius de Moraes “Quem vai pagar o enterro e as flores?”. Pagamos todos/as. É hora de saldar a dívida.

 

Sobre o/a autor(a)

Jurista
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