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O tanto que está por fazer

À nossa elite pouco importa que um em cada dez trabalhadores seja pobre. Ou que a precariedade hipoteque a vida, a família e o futuro.

Estamos no segundo processo orçamental em que o tema não são as privatizações, os cortes ou o aumento de impostos sobre o trabalho, mas o aumento das pensões, do salário mínimo e a eliminação da sobretaxa. A Direita está fora de jogo. No seu programa eleitoral defendia o congelamento das pensões e a manutenção dos cortes. Como pode agora dar a cara por esse programa? Na falta de uma Direita parlamentar capaz de ser Oposição, as elites movem-se e organizam-se. Não é tanto o Orçamento que as preocupa, mas o que acontece para lá dele: o aumento do salário mínimo e os avanços no combate à precariedade.

É esta pressão que vemos nas capas dos jornais que anunciam o recuo na intenção de aumentar o salário mínimo já em janeiro. As notícias já foram desmentidas, o acordo entre o PS e o Bloco sobre o salário mínimo é para valer. Mas a preocupação das confederações patronais diz-nos muito sobre o estado a que chegou a nossa economia.

A nossa elite empresarial veste-se com as roupas do sucesso, ganha salários de sucesso, e discursa sobre o segredo do sucesso. Mas o que defende, na verdade, é a mesma economia, velha e ultrapassada, de baixos salários e abuso.

Da EDP à Jerónimo Martins, os exemplos sucedem-se. Lucros avultados, administradores pagos a peso de ouro, e precarização total. De cada vez que fazemos uma chamada para a EDP, do lado de lá está uma das 1500 pessoas que asseguram este serviço desde 1992. São a voz da EDP, mas são contratados pela Randstad por um salário de 655euro.

Da EDP à Jerónimo Martins, passando também pelo próprio Estado, temos o regresso à praça de jorna dos tempos modernos. O "mercado de trabalho" é um museu cheio de novidades. Uma multidão que trabalha uma vida inteira a prazo para empresas que lhes ficam com uma parte do salário para vender os seus serviços a outros.

À nossa elite pouco importa que um em cada dez trabalhadores seja pobre. Ou que a precariedade hipoteque a vida, a família e o futuro. Ou mesmo que as vergonhosas condições laborais sejam a principal causa da emigração.

Quando a nossa elite combate os aumentos salariais e os direitos laborais, o que está a combater é o progresso, a evolução para um sistema económico que sirva a sociedade em vez de a canibalizar. É em nome desse progresso, e da decência, que valorizamos o muito que fizemos, como o acordo para o salário mínimo e para a regularização dos precários no Estado. Mais do que isso, não desistimos do tanto que ainda falta fazer.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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