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COP-22, o fim das ilusões

A mudança de presidente nos EUA foi devastadora para as Nações Unidas e para o caminho negocial rumo a um futuro climático seguro.

Fecha a 22ª Cimeira das Partes. Não sendo o colapso negocial que ocorreu em Copenhaga, colapsam no entanto as ilusões sobre o acordo global como preconizado em Paris. A mudança de presidente nos EUA foi devastadora para as Nações Unidas e para o caminho negocial rumo a um futuro climático seguro. E se havia algum conforto na ideia de que os líderes tomariam a decisão correta de evitar o caos climático que é chegar e ultrapassar os 1,5ºC de aumento da temperatura até 2100, apesar dos 22 anos de negociações a meio-passo, passo atrás, esse conforto acabou em Marraquexe.

O resultado de 15 dias de negociação é bastante magro e os assuntos-chave não avançaram: nem o financiamento para a adaptação nos países mais ameaçados, nem uma metodologia comum para a medição das emissões de gases com efeito de estufa e muito menos um aumento sério de ambição para as propostas individuais dos países, que continuarão a perfazer um aumento de temperatura acima dos 2ºC. A eleição de Trump dominou a cimeira desde quase o início e foi solo fértil para a inércia numa COP que se anunciava de acção. A hesitação das últimas décadas, principalmente dos países mais ricos e poluidores, aqueles que teoricamente menos impacto das alterações climáticas sofrerão, continuou. A incerteza relativa ao futuro dos Estados Unidos continua com três opções principais: abandono da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (o que faria dos EUA a única nação não-subscritora, um autêntico Estado Pária), abandono do Acordo de Paris ou simplesmente a utilização do seu carácter não-vinculativo para acelerar a produção e consumo de gás, petróleo e carvão.

Para Portugal chega a notícia, dada em Marrocos pelo primeiro-ministro, de que o país será carbono neutro em 2050. Esta decisão enterraria a questão da exploração de gás e petróleo no país, mas confiar em anúncios feitos em cimeiras internacionais não chega, pelo que é importante continuar a tornar totalmente clara a necessidade de cancelar as 15 concessões no mar e em terra. É nesse sentido que sai a convocatória politicamente mais clara de Marraquexe: a posição, assumida por mais de 400 organizações de todo o mundo, incluindo portuguesas, pelo cancelamento de qualquer novo projecto de combustíveis fósseis à escala mundial, como única possibilidade, segundo o orçamento de carbono, para manter a subida de temperatura abaixo dos 2ºC. Nenhum novo projecto de fósseis.

De regresso a casa, milhares de participantes, negociadores e ativistas sabem que ainda está por decidir muito do futuro climático e da viabilidade do Acordo de Paris. Talvez o futuro resida em acordos multilaterais mais fortes ou a precipitação de eventos climáticos extremos force a mão mesmo dos mais empedernidos defensores dos fósseis. Até lá, cada projecto para produzir mais gases com efeito de estufa, projetos de exploração de petróleo, de gás, de carvão, oleodutos, gasodutos, portos LNG e outros, serão os novos campos de batalha em que populações e ativistas lutarão por um futuro climaticamente justo e seguro.

Artigo publicado no jornal “Expresso” de 19 de novembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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