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O salário mínimo e as miseráveis elites

Está em curso uma operação política para pôr em causa o compromisso de fazer o salário mínimo chegar pelo menos aos 600 euros nesta legislatura.

Está em curso uma operação política para pôr em causa o compromisso de fazer o salário mínimo chegar pelo menos aos 600 euros nesta legislatura, com metas concretas que implicam que ele suba pelo menos 5% a cada ano e que, em janeiro de 2017 seja pelo menos de 557 euros. A direita e as confederações patronais entretiveram-se na última semana a lançar da sua usual chantagem. Não se pode subir o salário mínimo, alegam, porque esse aumento criaria desemprego. Mas os dados do emprego mostram o contrário: o aumento de 5% no salário mínimo em 2016 ocorreu ao mesmo tempo que se criaram 86 mil novos postos de trabalho e que sereduziu em 70 mil o número de desempregados. Subir o salário mínimo para 557 euros em 2017, alegam também, prejudicaria a “competitividade internacional” do país (como se a nossa “competitividade” devesse assentar em salários de miséria), com efeitos negativos nas exportações. Sucede que o aumento de 5% no salário mínimo em 2016 também foi simultâneo a um aumento de 6,6% das exportações do país.

Se a realidade económica não lhes dá razão, o que sobra a estes promotores da pobreza assalariada? A raiva ideológica e interesses mesquinhos.

A raiva vai contra o acordo estabelecido entre o Bloco e o PS, que determinou que esta discussão não seria apenas uma proclamação de bandeiras. Ao arrancar ao Governo um compromisso escrito com valores concretos para chegar aos 600 euros na legislatura (em 2017, pelo menos, 557 euros), esse acordo definiu balizas mínimas e é hoje a garantia mais forte para quem vive do seu trabalho – e por isso é alvo do ataque furioso dos patrões. Este ataque tem tido nos últimos dias o contributo de Bruxelas (que é hostil a aumentos salariais de 5% ), a cooperação discreta mas ativa do Presidente da República (que utiliza a retórica da “concertação social” para reforçar a posição negocial das confederações patronais contra a atual maioria) e ainda a miserável participação da UGT (cujo conceito de “representação dos trabalhadores” é ser um eco dos patrões na exigência de um salário mais baixo do que aquele que resulta do compromisso mínimo já celebrado).

Os patrões portugueses – bem como os partidos à Direita – têm como projeto para Portugal sermos um paraíso de salários baixos e de precariedade. “A reforma que falta”, dizia Passos Coelho depois de todos os cortes feitos pelo seu Governo – é a do "custo do trabalho para as empresas, que ainda é muito elevado". Ou seja, o empobrecimento de quem vive do trabalho, para que uma minoria acumule mais riqueza.

Nada disto é particularmente surpreendente e seria até normal, se não fosse ofensivo. 557 euros por mês não é muito. É muito pouco. Portugal tem um problema grave de pobreza. E sendo a pobreza um fenómeno com muitas dimensões, é um facto que ela decorre em primeiro lugar da desigualdade da distribuição de rendimento. Portugal é um dos países com maiores desigualdades salariais de toda a Europa: os gestores têm salários milionários, equiparáveis aos dos países mais ricos, mas os trabalhadores ganham salários que os condenam à miséria. É essa desigualdade inaceitável, que assenta na desvalorização do trabalho, que faz com que continuemos a ter taxas de pobreza assalariada na ordem dos 10%. Ou seja, um em cada dez trabalhadores, mesmo tendo emprego, ganha um salário tão baixo que não consegue sair do limiar da pobreza. Se isto não é uma ofensa, é o quê?

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 18 de novembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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