You are here

Aconteceu no oeste

Entrámos na terra prometida da desesperança. Chegámos ao território da inquietação. Bem-vindos ao precipício americano.

Trump ganhou. Make America great again. Foi isto que disse. O espertalhão percebeu a causa e o efeito. Percebeu que tinha diante de si uma América amarfanhada. Uma América saudosa do tempo da indústria, do capitalismo tradicional. A América dos electrodomésticos, do fordismo com o seu modelo T. Um carro para os trabalhadores. A América do carvão, do petróleo, dos self made men. Uma América que idealizou um passado. Inventou-o. Como se no passado tivessem sido todos milionários. Como se para cumprir o sonho americano não tivessem tido de esgravatar até ao esgotamento. Uma América que já não recorda as palavras de John dos Passos “até que a última parcela de vida tenha sido aspirada pela produção e que os operários voltem à noite a casa, trémulos, lívidos e completamente extenuados.” Uma América saudosa do fordismo à procura de um passado num paraíso que não chegou a acontecer. É o capitalismo tradicional a guinchar na aflição do fim, a ver-se substituído sem apelo nem agravo por um neoliberalismo que o supera e que provoca vítimas por onde quer que passe.

O pistoleiro percebeu. Um vendedor de promessas. Sem ética nem vergonha. Até podia ter prometido que acabaria com os tufões na costa oeste que o pessoal aplaudiria, aliviado. Aproveitou o desencontro deste povo com o seu próprio tempo, aproveitou a incerteza, utilizou a insegurança. Sem ética, sem pejo, armado de uma retórica tão acanalhada que o mundo emudeceu de espanto.

Começou a sórdida epopeia. A noite americana.

Homérica América. Dançaste um swing e caíste na pista. Lembras-te da Jane Fonda? Os cavalos também se abatem, dizia ela, já no fim do filme, no concurso de dança onde se testava a resistência dos concorrentes em troca de um sítio para dormir, alguma comida e meia dúzia de dólares. O público vinha ver o espectáculo. Vinha ver o sofrimento daquela gente exausta que se mantinha de pé, inchada, dorida, esgotada. No fim. Dançavam como se fossem fantasmas, só para sobreviver. Assim são alguns dos swing states. Por isso deram a vitória ao gorila.

O dono do saloon toma agora conta de tudo. Vai expulsar emigrantes, vai atentar contra direitos há muito consagrados, vai conversar com comparsas fascistas, que encontram ali a cumplicidade de que há muito necessitavam.

Essa a grande diferença entre a eleição de Trump e a de Hillary. É que se Hillary defendia o establishment neoliberal, com todo o seu arraial de guerras, crueldades e ingerências, Trump defende a barbárie.

Atrás da porta, o fascismo espreita. A pouco e pouco, às pinguinhas, os que dantes consideravam Trump um palhaço começam agora a gabar-lhe virtudes.

Este drama, este western trágico, não é só americano.

Sobre o/a autor(a)

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)