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Salvar o clima, parar o Trump

Nenhuma América “Great Again” se fará sob os escombros da devastação climática.

Começamos pelo que se sabe: Donald Trump prometeu durante a campanha tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris e deixar de contribuir para os fundos das Nações Unidas no Combate às Alterações Climáticas, fechar a Agência de Protecção Ambiental americana, retomar projectos como o oleoduto KeyStone XL (que cortaria os EUA para trazer petróleo das areias betuminosas do Canadá até ao Golfo do México) e cancelar o Plano de Energia Limpa de Obama. Segundo Trump, as alterações climáticas são uma invenção da China para prejudicar as exportações dos EUA.

No meio desta informação decorre a Cimeira do Clima, em Marraquexe, a COP-22 que tem como objectivo tornar o Acordo de Paris em algo concreto. Partes, representantes e observadores em Marrocos não escondem a sua apreensão: os EUA são o maior produtor mundial de combustíveis fósseis, desde o início da revolução do fracking. São também o segundo maior emissor de gases. Um abandono do acordo, difícil de conseguir porque foi ratificado por Obama, faria com que a base de acção ficasse ainda mais reduzida. Sem saber exactamente o que fazer, os participantes da cimeira continuam o processo, a negociação para efectivar o acordo, para torná-lo mais vinculativo e reduzir mais as propostas dos países, para garantir a transferência de milhares de milhões de euros dos países ricos para os mais afectados pela radical mudança climática, para contabilizar efectivamente as emissões de dióxido de carbono.

Falta o que não se sabe: por estes dias Trump rodeia-se de um enxame de lobistas da finança, das farmacêuticas, das armas, das petrolíferas, para distribuir lugares no executivo e para construir uma mundivisão mais clara para o seu mandato, mas quando reunir com a NASA não haverá debate sobre as alterações climáticas, quando reunir com o Pentágono ser-lhe-á dito que, acredite ou não, já são consideradas uma das principais ameaças à segurança nacional nos EUA. De que serve isso? Obama sabia-o e admitia-o mas, como W. Bush, considerou ou pelo menos agiu como se o estilo de vida americano não fosse negociável. Os EUA afastam-se da China (o maior emissor de gases com efeito de estufa) com quem assinaram há poucos meses o Acordo de Paris e aproximam-se da Rússia (2º produtor mundial de fósseis e 5º maior emissor de gases com efeito de estufa), que nem sequer ratificou o acordo.

Nenhuma América “Great Again” se fará sob os escombros da devastação climática. Não se sabe se Trump sabe disso, não se sabe se é real ou propaganda a sua posição sobre as alterações climáticas, depois da campanha vista e da ausência do tema dos debates, mas os fenómenos climáticos extremos em território americano agravaram nos últimos anos, com os furacões Katrina, Sandy e Ike, as cheias no Louisiana, e no Midwest, a seca na Califórnia e os incêndios florestais no Alasca, e continuarão.

Fica a lição, para a governança mundial que pretende um acordo climático para salvar os seres humanos que vivem na Terra, mas também para todos os activistas e pessoas preocupadas: a negação de factos já não é razão para se perder debates ou sequer para perder a eleição para o cargo mais poderoso do planeta. Além de ter razão, é preciso ter muita força. Ontem [este artigo foi publicado originalmente domingo, 13 de outubro] nas ruas em Portugal defendeu-se a espécie humana na Terra: Salvar o Clima, Travar o Petróleo. Parar as concessões de gás e petróleo no país. Hoje sai-se à rua em Marraquexe para pedir que, frente à gigante contrariedade que é a eleição de Trump, se tenha muito mais força. Precisamos dela, não para salvar o planeta, que continuará a existir. Precisamos dessa força para salvar a Humanidade.

Artigo publicado no jornal Público a 13 de novembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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