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Não insultem os bolseiros de investigação

O Diploma do Emprego Científico, plasmado no DL 57/2016 do Governo, propõe uma troca de bolsas precárias por contratos precários.

Faz hoje quinze dias que, com total surpresa, os candidatos a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento 2016 foram informados que a publicitação dos resultados do concurso anual de Bolsas de Doutoramento e Pós-Doutoramento da FCT se encontra atrasada.

O Concurso de Bolsas de 2016 encerrou a 15 de julho, e, de acordo com o regulamento (artigo 18.º), os resultados deveriam sair até 90 dias úteis depois, ou seja, a 23 de Novembro de 2016. Neste novo cenário, o novo prazo, alegadamente indicado a alguns dos concorrentes, é fevereiro de 2017, sete meses depois do fim do concurso.

Tudo isto se junta a um concurso já de si burocrático, com uma duração extensa logo à partida, à falta de articulação dos prazos dos concursos de bolsas com o calendário letivo, ao número reduzido de bolsas (em áreas como Antropologia existiram apenas 5 Bolsas de Doutoramento a nível nacional no ano transato), o que descredibiliza uma ideia de pluralidade na investigação científica, como coloca em causa os critérios que a FCT tem vindo a utilizar.

O Bloco de Esquerda já endereçou uma pergunta por escrito ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, demonstrando a sua aguda preocupação com um atraso que deixa com a corda na garganta a comunidade científica e questionando o Governo se vai ou não reavaliar os novos prazos que a FCT anunciou.

A par deste problema imediato, temos hoje um debate importante em cima da mesa: que tipo de contratação e carreira queremos para a investigação científica? O Diploma do Emprego Científico, plasmado no DL 57/2016 do Governo, propõe uma troca de bolsas precárias por contratos precários. Existe um discurso político positivo que indica um caminho de melhoria substantiva das condições laborais dos investigadores, mas, na verdade, o conteúdo da proposta encerra em si um conjunto de contradições com a própria vontade política que o Ministro Manuel Heitor demonstra ter sobre a matéria. O diploma institucionaliza uma via paralela à carreira científica, as remunerações neste tipo de contratos são ainda mais baixas do que os valores das bolsas hoje praticados, não vislumbra qualquer tipo de vínculo destes profissionais após o término do contrato a termo (seja de 3 anos ou renovado uma vez – 6 anos) e a própria aplicabilidade da medida é duvidosa, o que instaurou no sistema uma confusão generalizada.

A Ciência e a Investigação não podem continuar reféns de contratos precários, prazos de atribuição que não são respeitados, de bolsas infinitas que não permitem que os investigadores progridam na carreira. Planear um país desenvolvido, com capacidade de responder à evolução do conhecimento, que reinvente soluções para os problemas sociais, para a indústria, economia, agricultura, tecnologia e comunicações, não pode deixar a Política Científica refém de uma agenda que desvaloriza o trabalho dos investigadores.
Einstein já nos dizia: «Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito». E é exatamente disso que precisamos: libertar as políticas científicas de um preconceito ideológico que não aceita a investigação como um trabalho merecedor de direitos e garantias, que esteja ao abrigo do código do trabalho.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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