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Financiamento partidário e isenções fiscais: fugiu-lhes o pé do chinelo!

O tema do financiamento dos partidos políticos e campanhas eleitorais é sempre um tema sensível nos debates parlamentares.

I - O tema do financiamento dos partidos políticos e campanhas eleitorais é sempre um tema sensível nos debates parlamentares, desde logo por serem os visados de tal regime jurídico a tomarem as decisões.

Por isso, o debate em torno destas matérias deve ser feito de forma serena, franca e leal, não devendo resvalar nem para o populismo e muito menos para a gincana política. No debate de 27 de Outubro de 2016 não foi, infelizmente o que sucedeu.

O comportamento do Grupo Parlamentar do PCP no dito debate foi lamentável e desnecessário, cabendo aqui dizer que é legítimo e respeitável que o PCP se oponha a medidas neste âmbito, mas que já não é curial que se arrogue no direito de afirmar que o Bloco de Esquerda esteja a “cavalgar a onda que se vê por essa Europa fora dos movimentos de extrema-direita que atacam os partidos para atacar a democracia”. Ao Deputado João Oliveira fugiu o pé do chinelo com esta afirmação. E se foi por este motivo que o PCP votou contra a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda, a todo o Grupo Parlamentar do PCP fugiu o pé para o chinelo.

II - Para o Bloco de Esquerda sempre foi clara a necessidade de assegurar um financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais tendencialmente público, com vista a prevenir fenómenos de menor transparência e fenómenos de corrupção.

Por outro lado, e considerando que a recuperação de direitos e rendimentos não atingiu o patamar que o Bloco de Esquerda deseja (e creio que também o PCP o deseja), entendeu, e bem, o Bloco de Esquerda (aliás como também o PCP na sua iniciativa legislativa), que se deveriam converter os cortes temporários nas subvenções para financiamento dos partidos políticos e campanhas eleitorais em cortes definitivos, e bem assim quanto aos limites de gastos em campanhas eleitorais.

Mas o Bloco de Esquerda foi mais longe e, ao mesmo tempo que propunha a redução das subvenções, propunha uma ainda maior redução dos limites de despesas em campanhas eleitorais. Desta forma, reduzindo a despesa do Estado com as subvenções se garantia uma maior limitação do financiamento privado às campanhas eleitorais.

De igual forma a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda pretendeu ainda mais que os movimentos financeiros respeitantes a partidos políticos e campanhas eleitorais se processem por via bancária e com identificação dos intervenientes.

Já houve partidos que justificaram a origem de donativos com doadores de nome pitoresco como “Jacinto Leite Capelo Rego”, cuja fonética parece mais adequada a uma qualquer canção de Quim Barreiros, salvaguardando-se o bom nome do artista e o devido respeito por quem seja portador de tal nome.

Outros partidos tratam de se vitimizar sempre que se fala na necessidade de restringir os pagamentos em numerário, logo dizendo que tal medida é antidemocrática e que visa “impedir a realização da maior iniciativa político-cultural do País”.

III – Outro objectivo do Bloco de Esquerda, na sua iniciativa legislativa, era o de extinguir os benefícios fiscais dos partidos políticos em matéria de impostos sobre o património imobiliário (IMI e Imposto de Selo, futuramente substituído pelo adicional de IMI), bem como em matéria de Imposto Sobre Veículos.

O Bloco de Esquerda apresentou-se às eleições legislativas de 2015 com a proposta de acabar com várias isenções de IMI e, coerentemente, começou pelas anunciadas quanto aos partidos políticos para de seguida avançar para as restantes.

Por outro lado, a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2017 contempla um adicional de IMI para patrimónios imobiliários elevados e ainda o aumento do Imposto Sobre Veículos.

O Bloco de Esquerda percebe a necessidade destas alterações como forma de garantir financiamento para a recuperação de direitos e rendimentos, acreditando eu que o PCP também entende e apoia estas medidas.

Aliás, o Deputado João Oliveira no debate parlamentar do dia 27 de Outubro afirmou que O adicional do IMI vai fazer-nos muito provavelmente pagar mais impostos e não é por isso que não concordamos com ele”.

O que o Grupo Parlamentar do PCP não disse (ou nem sequer lhe ocorreu) foi:

i) Que o adicional do IMI não será aplicável aos partidos políticos, visto que a Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e Campanhas Eleitorais continuar a manter uma norma que isenta os partidos políticos dos demais impostos sobre o património previstos no n.º 3 do artigo 104.º da Constituição” - o artigo 10.º, alínea e) da referida Lei – isto para além da isenção de IMI sobre o valor tributável dos imóveis ou de parte de imóveis de sua propriedade e destinados à sua actividade, conforme o artigo 10.º, alínea d) da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e Campanhas Eleitorais;

ii) Que a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda, que mereceu o voto contra do PCP, previa a revogação também desse benefício fiscal do adicional ao IMI (curiosamente a iniciativa legislativa do CDS, partido conhecido pela sua aversão à proposta de adicional ao IMI, mantinha esta isenção aos partidos políticos).

Ao PCP bastava neste debate ter afirmado serenamente que os partidos políticos são merecedores, pela função que exercem, dos benefícios fiscais que dispõem e ter-se manifestado e votado contra a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda. Sublinhe-se que esta proposta não visava directamente o PCP ou o seu vasto património imobiliários. Era escusado ao PCP, através de João Oliveira, tentar colar a proposta do Bloco de Esquerda a propostas de movimentos de extrema-direita para defender o seu ponto de vista!

Mas pior, assumindo o PCP no debate parlamentar de dia 27 de Outubro que terá de suportar o adicional de IMI, não se compreende que tenha inviabilizado a extinção de um benefício fiscal que o desonera dessa obrigação contido na iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda.

Fica agora o PCP obrigado a propor, pelo menos, a revogação do artigo 10.º, alínea d) da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e Campanhas Eleitorais ou, em alternativa, a propor que o mesmo não seja aplicável em sede de adicional de IMI.

Estou certo que o Bloco de Esquerda apoiará e aprovará semelhante iniciativa do PCP, com o respeito, ponderação e serenidade que faltou ao PCP para com o Bloco de Esquerda no debate do dia 27 de Outubro.

Sobre o/a autor(a)

Advogado, ex-vereador a deputado municipal em S. Pedro do Sul, mandatário da candidatura e candidato do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lisboa nas autárquicas 2017. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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