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“Modelo de desenvolvimento turístico de Lisboa é totalmente insustentável”
O turismo é um problema ou uma oportunidade para as cidades, neste caso para Lisboa?
O turismo é uma oportunidade mas pode tornar-se um problema. É uma oportunidade porque pode contribuir para a economia da cidade criando emprego. Mas pode ser um problema se for gerado e sustentado por uma política de exploração, de maximização de lucros, de especulação imobiliária e de desregulação. É esse o cenário que assistimos atualmente em Lisboa e noutras cidades europeias. Os efeitos são fortíssimos e terão impactos negativos a médio prazo no próprio turismo. A degradação da cidade como espaço urbano atrativo com características próprias acaba por contribuir para um afastamento de quem nos quer visitar.
Consideras que o modelo de planeamento e desenvolvimento turístico que tem vindo a ser aplicado na capital é um modelo sustentável e que respeita os direitos de quem nela habita?
O modelo de Lisboa é o oposto do que deve ser feito e totalmente insustentável. A política municipal foi, e é, de modelação dos instrumentos de gestão territorial aos interesses imobiliários. A prioridade é garantir rápido retorno a quem investe no centro da cidade mesmo que isso contribua decisivamente para a expulsão de quem habita e vive na capital. É um modelo de desenvolvimento que transforma negativamente a cidade num espaço hiperespecializado na economia do turismo e isso fragiliza a própria economia da cidade. A cidade perde diversidade e resiliência quando toda política urbana é orientada apenas para um setor, que é, como sabemos, muito vulnerável a fatores externos.
Quais têm sido as principais transformações na vida dos e das lisboetas face à grande intensificação do turismo na cidade no que respeita ao acesso à habitação?
A intensificação do turismo está a criar um enorme processo de expulsão de quem vive ou quer viver na cidade. Durante o ano de 2015, em algumas zonas da cidade aumentaram os preços do imobiliário em 22%. Arrendar ou comprar um apartamento tornou-se inviável para quem não tem rendimentos elevados. Este fenómeno é gravíssimo nas zonas históricas mas já alastra para as áreas mais periféricas como Benfica, Alvalade, Marvila, etc. A política de maximizar a exploração turística traz outros problemas como a sobrecarga dos transportes públicos, a recolha de resíduos e limpeza, manutenção de espaço público. São desafios a que a cidade não tem conseguido responder porque o executivo municipal tem concentrado toda a atenção no crescimento do número de turistas.
A política de gestão do património imobiliário municipal tem tido em conta essa realidade?
A CML tem tido uma política catastrófica de gestão do património municipal. A prioridade tem sido a alienação de terrenos e edifícios com a única preocupação de realização de receitas extraordinárias. O Bloco tem insistido que o património municipal é um instrumento determinante na política urbana de habitação mas também no que concerne ao comércio local. Sendo o maior senhorio da cidade, todo este património poderia ser utilizado para pressionar o mercado de arrendamento com rendas mais baixas. A estratégia de Fernando Medina tem sido privilegiar a realização de receitas e não o planeamento de uma cidade mais justa e inclusiva.
E, no teu entender, a política de habitação social do município tem-se revelado capaz de responder às necessidades das populações?
A CML não consegue responder às necessidades das populações. Isso é evidente todas as semanas na Assembleia Municipal de Lisboa onde dezenas de pessoas desesperadas acorrem para expor os seus casos dramáticos de impossibilidade de aceder a uma habitação municipal. Todos os anos concorrem milhares de pessoas e todos os anos obtêm a mesma resposta: "não temos casas". É preciso investir fortemente num programa que disponibilize habitação com dignidade a quem precisa. Não podemos ignorar o direito constitucional à habitação. É necessário criar respostas imediatas.
Que consequências tem tido a execução das sucessivas medidas contidas no Novo Regime do Arrendamento Urbano no que concerne ao acesso à habitação na zona central de Lisboa?
O NRAU é uma das leis mais violentas socialmente que tivemos desde o 25 de Abril. A lei dos despejos, do governo Passos-Portas e assinada por Assunção Cristas, foi o principal instrumento para expulsão de centenas de habitantes, em especial os mais idosos e vulneráveis, do centro da cidade. Foi uma lei criada para dar todo o poder aos senhorios e desproteger totalmente os inquilinos. O Bloco insistiu sempre na necessidade de revogação desta lei e na criação de mecanismos que permitissem proteger os inquilinos.
Que efeitos tem tido a turistificação no comércio tradicional?
O comércio tradicional foi também vítima do NRAU e de toda a pressão gerada pela especulação imobiliária que gravita em torno do turismo. No centro histórico já não restam lojas que durante décadas serviram a população residente. A maioria dos espaços comerciais orientam-se para serviços e vendas a turistas. A CML criou um programa chamado "lojas com história" mas que não responde a este problema. O programa classifica lojas relevantes do ponto de vista histórico e patrimonial, que merecem toda a atenção e medidas de proteção contra o seu encerramento, mas é muitíssimo limitado e deixa de fora todo o comércio tradicional "normal": padarias, sapateiros, mini-mercados, drogarias, etc.. As lojas que servem a população. Expulsas as pessoas e as lojas, não resta nada senão turistas.
E como se tem vindo a fazer sentir esta pressão sobre a cidade no sistema de transportes de transportes públicos?
A mobilidade na cidade está seriamente comprometida. O sistema de transportes públicos, em particular redes de Carris e Metro, está em situação de pré-colapso sobretudo pelo desinvestimento dos últimos anos. O governo Passos-Portas idealizou uma privatização destas empresas e preparou todo esse caminho. Apesar de revogada a decisão de concessão a privados, a recuperação da qualidade destes transportes demora tempo e precisa de muitos recursos. Essa tem de ser uma aposta imediata. Naturalmente que nas zonas com maior pressão de turismo o efeito é maior e a dificuldade de utilização dos transportes é muito superior. Defendemos que o município tem de ser uma peça fundamental nestas empresas, porque conhecendo melhor as necessidades e o território, consegue fazer uma gestão mais racional que garante maior qualidade aos utentes.
Que propostas defendes para a cidade por forma a responder a todas estas problemáticas?
Porque o turismo é importante para a economia da cidade é preciso criar condições para que esta atividade sobreviva a longo prazo e não conflitue com a cidade e com quem nela quer viver. A CML tem um papel fundamental nesta estratégia. Defendemos que a taxa turística deve ser reformulada para que exista um pagamento progressivo em função do preço do alojamento. É também fundamental que as receitas desta taxa não estejam consignadas aos agentes de turismo mas sim a quem tem responsabilidade na gestão da cidade. O turismo tem um impacto fortíssimo na vida de quem vive e utiliza a cidade e por isso estas receitas têm de ser utilizadas para reparar esse impacto e melhorar a vida dessas pessoas, seja na habitação, na mobilidade, no espaço público ou na higiene urbana. A revisão dos instrumentos de gestão territorial para garantir que o espaço urbano é utilizado de forma equilibrada, justa e sustentável deve ser outra das prioridades políticas. Há alterações que não dependem diretamente da Câmara Municipal, como a lei das rendas ou o regime do alojamento local, porque dependem do Governo, mas sobre as quais é preciso tomar posição e intervir.
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