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“Zonas centrais de Lisboa estão a tornar-se morada exclusiva para os mais ricos”

A recente intensificação do turismo de curta duração nas cidades e a consequente procura de soluções de alojamento, fora da oferta hoteleira tradicional, levou a que muitos proprietários afetassem apartamentos situados nas zonas mais centrais a este serviço desviando-os da habitação, própria ou arrendada, seu destino e vocação inicial e para tal projetados e licenciados.
Esta intensificação do turismo na cidade de Lisboa originou transformações significativas na vida dos seus habitantes, muitas indubitavelmente positivas, outras claramente negativas e preocupantes, tanto no presente como a prazo, a exemplo do já sucedido e conhecido noutras cidades europeias.
Como aspetos positivos, podemos considerar os benefícios na reabilitação do edificado, maiores rendimentos a proprietários, crescimento das receitas do turismo, criação de postos de trabalho, aumento da receita fiscal.
Como consequências negativas e preocupantes para a cidade, temos o desvio de milhares de habitações e edifícios para o alojamento local ou para hotéis, de que resulta cada vez menos habitantes e atividades económicas tradicionais na cidade e o exponencial aumento do preço da habitação, estando as zonas mais centrais de Lisboa a tornar-se praticamente morada exclusiva para os mais ricos e para moradores em trânsito.
Se o arrendamento habitacional já era considerado um subproduto e mesmo um anacronismo, o crescimento do alojamento local veio pressionar ainda mais e mais rapidamente, o arrendamento na cidade para algo semelhante a uma obsolescência.
Quando o discurso oficial argumenta que é necessário haver condições de mobilidade dos cidadãos e das famílias, ao ter-se um mercado de arrendamento incipiente, anacrónico, anémico, de baixa qualidade e de preço excessivo que não satisfaz a procura e a mobilidade, não se pode continuar a adiar a tomada de medidas para se criar e para dinamizar um mercado de arrendamento habitacional que apresente uma oferta diversificada, em quantidade, em qualidade e em preço, que garanta à propriedade um rendimento estável e prolongado e ao arrendatário uma morada igualmente estável e de preço acessível.
O crescimento do Alojamento Local induziu o Governo anterior a determinar certa regulamentação sobre esta oferta, designadamente no sentido de a colocar sob a alçada fiscal, aproveitando também para arrecadar receita sobre o tradicional alojamento sazonal para férias.
Todavia, ao invés de regular convenientemente a atividade, impondo regras e limites razoáveis e aceitáveis, a desregulação e o facilitismo apressadamente concedidos na legislação sobre o Alojamento Local permitiram que qualquer apartamento, com a complacência do Município, possa ser afeto a uma indústria sem uma prévia alteração, quer do título, quer do projeto aprovado, quer do respetivo licenciamento de uso.
Ao não se terem impostos limites à possibilidade de afetar apartamentos a esta indústria, resultou na utilização indiscriminada, desregrada e intensiva de inúmeros apartamentos em prédios de habitação, com arrendatários e/ou em condomínio, causando desnecessárias perturbações, incómodos, excessos, conflitos e despesas não previstas.
Acresce que uma certa ganância e a perspetiva de ganhos maiores e mais rápidos, levou a que muitos senhorios pressionassem inquilinos, designadamente os mais idosos e vulneráveis, a abandonarem as suas casas mediante indemnizações, quase sempre irrisórias, havendo situações de intensa coação, expulsando-os dos seus locais de morada e quebrando relações de vizinhança e de solidariedade.
Não se questionando satisfazer a procura de alojamento turístico em apartamentos, entende-se que se deve intervir, a exemplo de outras cidades europeias, de modo a regrar e disciplinar esta utilização.
Para se regrar convenientemente esta atividade haverá que não permitir a utilização para Alojamento Local, bem como para outros fins, de apartamentos destinados a habitação, sem a prévia autorização municipal de alteração de uso com base no projeto para o qual foi licenciado.
Haverá que limitar, no máximo a 50%, os apartamentos para utilização afeta ao Alojamento Local quando em prédios com locados arrendados e licenciados para habitação, e apenas os situados nos pisos inferiores.
Quando em condomínios, não permitir a utilização turística afeta ao Alojamento Local de apartamentos sem a prévia concordância dos condóminos, acrescido da obrigatoriedade de um seguro multirriscos para cobertura de possíveis danos causados pelos respetivos utilizadores.
Haverá ainda que impor regras de higiene e segurança, idênticas às exigidas para a hotelaria e exercer a consequente fiscalização.
Paralelamente, de insofismável importância e de urgente resolução, haverá que considerar e corrigir a enorme discrepância e injustiça na fiscalidade aplicada ao arrendamento e ao alojamento local, com claro prejuízo do primeiro, que inegavelmente tem uma função social de grande relevo que o segundo não tem. Ao arrendamento, em sede de IRS, aplica-se uma taxa liberatória de 28% sobre as rendas recebidas. Ao Alojamento Local considera-se apenas 15% do rendimento auferido para declarar em sede de IRS, o que resulta num imposto efetivo médio, estima-se, entre os 5% e os 10%.
Esta disparidade fiscal não pode determinar, como consta ser a intenção facilitista do Governo, que sobre o alojamento local venha a incidir a mesma fiscalidade que incide sobre o arrendamento. Não parece ser a solução adequada para atividades económicas e prestações de serviços muito diferentes.
Tendo em conta a sua função social, e conforme a AIL insistentemente tem proposto, a carga fiscal sobre o arrendamento urbano, designadamente o habitacional, deveria, isso sim, ser reduzida e já a constar no Orçamento do Estado para 2017.
A fiscalidade sobre o Alojamento Local deverá ser tratada em conformidade com uma atividade económica turística, com deduções de gastos das operações e taxas apropriadas e suportáveis.
Não é por se aumentar a carga fiscal que a economia cresce e se desenvolve.
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