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Estabelecer uma larga frente para a abolição do Tratado Orçamental

Já não é o tempo de voltar a apresentar as mesmas propostas que fizemos há muitos anos para equilibrar os efeitos do euro, ou da dívida desigual, ou mesmo para repor o potencial económico de cada Estado-Membro.

A intervenção da troika (BCE,CE,FMI) foi a última etapa para impor um programa de austeridade, mais objetivamente um programa de privatizações, impostos brutais sobre os rendimentos do trabalho, desemprego massivo, cortes no Estado Social, cortes em salários e pensões, perda de direitos laborais, em maior escala no setor privado, com a liberalização dos despedimentos e o cerco à contratação sindical. No caso português, o PIB andou para trás cerca de 20 anos, tal a queda do investimento.

Precisamos de demolir as regras básicas da União Europeia. Não é realista, como muitos defendem na esquerda europeia, propor a alteração dos tratados como há 25 anos, desde Maastricht, sempre fazemos

A armadilha da dívida soberana foi o detonador do processo. Em poucos anos, após a crise capitalista de 2007/8 a dívida pública escalou até mais de 130% do produto, apesar e por causa da intervenção da troika. Uma dívida antes dentro dos critérios de Bruxelas entrou em espiral num buraco negro. Esta situação teve muito a ver, primeiro, com o crescimento assimétrico dentro da zona euro e negócios ruinosos com grupos capitalistas e, depois, com a especulação formidável para o nível de Portugal, consentida pelo BCE, contra a dívida soberana portuguesa. Como o País foi resgatado com um grande empréstimo da troika, supostamente para garantir pagamentos externos,esse foi o pretexto para impor as "políticas de memorando".

Muitos anos antes deste cenário, o Bloco defendeu um papel diferente para o BCE, emprestando dinheiro aos estados diretamente, garantia dos estados, financiador do crescimento. Muitos anos antes, o Bloco defendeu a criação dos "eurobonds", o que poderia igualizar o acesso dos estados em termos de custos ao mercado da dívida. Muitos anos antes dissemos que a moeda comum - o euro - sem um orçamento de redistribuição entre os Estados-Membros arrasaria as economias periféricas e fracas.

O Tratado Orçamental, o nosso maior problema imediato, é o herdeiro direto do Pacto de Estabilidade. O Tratado Orçamental leva à desintegração da própria União Europeia e o euro a um beco sem saída

Não haja dúvida de que o Pacto de Estabilidade abriu o caminho para que apenas um único modelo económico fosse autorizado pela liderança conservadora da União Europeia. Desigualdade entre países, desigualdade dentro dos países. Esse foi o significado das políticas ultraconservadoras. Que ninguém se engane: o Tratado Orçamental, o nosso maior problema imediato, é o herdeiro direto do Pacto de Estabilidade. O Tratado Orçamental leva à desintegração da própria União Europeia e o euro a um beco sem saída. O Tratado Orçamental impede as economias mais fracas, e algumas já não tão fracas, de recuperar o investimento, de garantir a despesa pública em geral.

Já não é o tempo de voltar a apresentar as mesmas propostas que fizemos há muitos anos para equilibrar os efeitos do euro, ou da dívida desigual, ou mesmo para repor o potencial económico de cada Estado-Membro. Esse tempo passou. O tempo agora é para estabelecer uma larga frente para a abolição do Tratado Orçamental e regras conexas. Na nossa opinião, esta é a linha da frente da batalha contra a austeridade. Se não chegarmos a um nível elevado nesta luta talvez alguns países estoirem e abandonem a União Europeia a breve trecho.

Esta é uma luta, em primeiro lugar, em cada Estado-Membro, e também nas instituições europeias e fora delas, cada vez mais fora delas. Nada pode ser feito, e aceite como realista pelos trabalhadores e trabalhadoras, se não acontecer uma rutura com a bíblia dessa religião macro económica que dá pelo nome de "austeritarismo". O nosso slogan de desobedecer à Europa é, apesar de tudo, muito europeísta, convenham.

O Bloco dá suporte no parlamento português a um governo minoritário, fórmula centro-esquerda, muito moderado, governo do Partido Socialista, que tenta encontrar um equilíbrio entre o Tratado Orçamental e as constantes ameaças da Comissão Europeia para o seu cumprimento, por um lado, e a pressão legítima da esquerda radical farta da chantagem, por outro. A prazo é uma missão impossível.

Precisamos de demolir as regras básicas da União Europeia. Não é realista, como muitos defendem na esquerda europeia, propor a alteração dos tratados como há 25 anos, desde Maastricht, sempre fazemos. Não há nenhuma relação de forças para credibilizar essa possibilidade.

Temos de garantir a autonomia orçamental de cada país e a sua decisão soberana sobre o setor público e impostos, e salvaguardar a possibilidade de sair da União Monetária se o diretório não permitir outra saída

Temos de garantir a autonomia orçamental de cada país e a sua decisão soberana sobre o setor público e impostos, e salvaguardar a possibilidade de sair da União Monetária se o diretório não permitir outra saída. É certo que os partidos de esquerda não têm ainda a força necessária para antecipar estes desfechos, precisamos de muitos reforços políticos e, sobretudo, sociais. Sem ilusões, é uma longa caminhada e não será um simples processo institucional, ele só pode ser ativado com crises políticas de confrontação com a Comissão Europeia. Aí só pode influir a relação de forças de cada quadro nacional, com os reflexos em todos os outros.

Também a reestruturação da dívida soberana necessita de um ponto de viragem em cada país mas também no quadro europeu. Afinal, a dívida é um contrato de escravatura. Subir Lall, funcionário do FMI para controlar a democracia portuguesa disse uma vez no parlamento português que não é importante saber se a dívida pode ser paga, o que é importante é que se vá pagando e manter as "reformas estruturais".

Portugal saiu do quadro da troika? Formalmente, sim. Na verdade, a coisa continua sob diferentes formas. Este não é um problema de pequenos países. Em alguns anos será a França a descobrir, e já não apenas a Itália, com os britânicos do Brexit à distância, que têm grandes distorções na economia e revolta cidadã com o Tratado Orçamental e com o o mito do défice zero e Estado Social tendencial a zero.

Intervenção de Luís Fazenda no Painel “Alternativas às imposições das políticas de memorandum da troika”, integrado na reentre política do partido alemão Die Linke (A Esquerda) - Berlim, 23 de setembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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