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Defender o SNS é reforçá-lo

Há um equívoco que importa desarmar em nome da democracia: o de que, 37 anos depois da sua criação, não há quem não apoie o SNS.

O Serviço Nacional de Saúde é um dos poucos lugares de democracia intensa do país. A lucidez e o desassombro da equipa liderada por António Arnaut, faz agora 37 anos, transformaram um país em que a prestação de cuidados de saúde era uma possibilidade só para alguns num país em que essa prestação pública se guia pelo imperativo democrático maior: em cada rosto igualdade. E é essa a lição de vida dada por tantos/as profissionais que fazem o dia a dia do SNS.

Estes 37 anos deram-nos também a noção clara de que a única verdadeira defesa do SNS é o seu reforço. Se a estratégia não for fortalecer o SNS enquanto serviço público universal, a sua defesa será frágil e condenada à derrota. E é por isso que há agora prioridades irrecusáveis que quem apoia a sério o SNS não pode ignorar.

A primeira é a de um combate corajoso contra as parcerias público-privado em saúde. Há uma escolha a fazer face aos contratos que cessam em 2018: continuá-los e continuar a sangrar o orçamento com rendas chorudas a grupos privados ou fazê-los cessar tendo em conta que não há vantagens sociais visíveis nessa fórmula. É uma escolha que implica coragem política – a mesma que António Arnaut teve em 1979.

A segunda é a do destino a dar à ADSE. A privatização, imediata ou a prazo (mutualização agora privatização a seguir) da ADSE, bem como o alargamento sensível da sua base de beneficiários é um tiro de canhão no SNS e um bónus ao negócio privado na saúde. A manutenção da ADSE na esfera pública, sob a forma de instituto público, até que o SNS possa dar resposta às necessidades hoje cobertas por esse sub-sistema é a escolha que tem que ser feita.

A terceira é dar passos concretos essenciais para a reforma dos cuidados de saúde primários, dotando-os (finalmente) de recursos humanos e materiais para um desempenho célere, acessível e eficaz às necessidades das pessoas.

Enfim, a quarta é a de uma revisão séria e determinada da capacidade instalada no SNS que trave o recurso à compra de serviços a privados, designadamente em cirurgias (mais de 100 milhões de euros em 3 anos).

Uma bicicleta parada, por mais polida e reluzente que se apresente, cai. O SNS é um bem demasiado importante para a democracia para que o deixemos imóvel e assim sujeito a operações de erosão pelos interesses de negócio.

Há um equívoco que importa desarmar em nome da democracia: o de que, 37 anos depois da sua criação, não há quem não apoie o SNS. Conviria saber se as forças que votaram contra a Lei de Bases do SNS há 37 anos estão hoje tão convictamente assim a seu favor. Há muitos interesses em enfraquecer esse pilar da democracia social em Portugal. As quatro escolhas referidas dividem o campo entre o apoio que é necessário para fortalecer o SNS e uma gestão que o deixe ao sabor dos apetites de quem tem poder. Não há neutralidade possível face a elas.

Artigo publicado no diário "As Beiras", em 17 de setembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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