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Ainda a fraude dos estágios

Além de terem sido um fiasco do ponto de vista da criação de emprego sustentável, os estágios foram mais um dos campos onde a fraude se disseminou.

A transformação de Portugal numa economia de estágios não é novidade. Nos últimos anos, com particular incidência a partir de 2014, os estágios foram uma das principais estratégias da Direita para o mundo de trabalho. O esquema parecia perfeito. O Estado financia as empresas, que podem ter licenciados precários a preço de saldo: pagam entre 140 e 240 euros por mês e o IEFP, com dinheiro público, paga o resto, até 691 euros por mês. E pelo caminho anuncia-se que há “oportunidades” para os jovens.

Que o Estado tenha políticas públicas para promover o emprego faz todo o sentido. Mas é preciso que façam o que diz o nome: promover emprego. Ora, ao contrário do que foi vendido à opinião pública, a generalização dos estágios, que ultrapassaram os 72 mil em 2015 (dados do IEFP), não serviu para isso. Como mostra um relatório apresentado neste verão, seis meses após a conclusão do estágio, apenas 15,2% dos estagiários permaneceram na mesma entidade sem recurso a um apoio à contratação posterior. E só 5,3% com contrato sem termo. Para tanto dinheiro investido, o resultado é risível. Mas por que correu tão mal na maior parte dos casos?

A realidade é que, com honrosas exceções, a maior parte dos empresários ficou viciada em estágios financiados pelo Estado e, em vez de os usarem para o que supostamente servem, foram fazendo suceder a um estagiário outro estagiário, em rotação permanente, à custa do contribuinte. O IEFP fechou os olhos e o Governo anterior, que fez disto a sua política, esfregou as mãos. De facto, a economia dos estágios servia também outro grande propósito: mascarar as estatísticas do emprego.

Foi o próprio FMI, cujas orientações são as que se sabem, que o reconheceu num relatório oficial. Com uma taxa oficial de cerca de 13% de desempregados em 2014, “é pouco provável”, dizia o relatório do Fundo, “que a escassez de emprego seja devidamente capturada pelas taxas de desemprego oficiais. No caso de Portugal, uma medida mais abrangente, que adiciona ao número de desempregados os trabalhadores desencorajados (que aumentaram drasticamente durante a crise), bem como o trabalho involuntário de curto prazo, coloca o desemprego em 20,5% em 2014”. Some-se pois quem deixou de estar inscrito nos centros de emprego, os estagiários, os contratos de emprego-inserção, os “desencorajados” e assim fica explicada a falácia de um país onde havia cada vez menos empregos, mas, supostamente, também cada vez menos desempregados.

Não foi surpresa, por tudo isto, quando se descobriu o escândalo (relativamente despercebido ou relativamente silenciado) de que em menos de dois anos (entre meados de 2014 e 2015), o Governo anterior conseguiu estourar mais de 60% dos fundos que havia até 2020 (do quadro de recursos PT2020) para aplicar em políticas ativas de emprego. O objetivo era só um: tirar gente das estatísticas de desemprego, e rápido. Pensar a médio prazo, fiscalizar esquemas mafiosos entretanto instalados, exigir às empresas apoiadas contrapartidas em termos de criação de emprego ou pensar em sustentabilidade era coisa que não interessava.

E agora estamos confrontados com isto: além de terem sido um fiasco do ponto de vista da criação de emprego sustentável, os estágios foram mais um dos campos onde a fraude (quantas vezes criminosa, como veio a público este verão) se disseminou, com patrões sem escrúpulos a receberem apoio do Estado e a roubarem o dinheiro que pertence ao trabalhador pela lei.

Que o escândalo sirva então para alguma coisa. Queremos ou não interromper a impunidade laboral que se tornou a norma nos últimos anos, com o mundo do trabalho a ser tomado por uma verdadeira máfia patronal? Estes patrões mafiosos vão ser obrigados a devolver aos estagiários o dinheiro que lhes extorquiram? E vão ser proibidos de aceder a qualquer tipo de apoio público no futuro? É agora que se vai exigir que se cumpra mesmo um rácio mínimo de contratação (por exemplo, um em cada dois estagiários) por parte das empresas que recebem estes apoios públicos? Vai finalmente o IEFP, perante denúncias, ter uma ação contundente com estes empresários? É agora que se inclui na missão da Autoridade para as Condições de Trabalho a fiscalização da utilização indevida de estágios, garantindo-lhe um reforço de meios para poder atuar? Seremos capazes de ter uma política de emprego digna desse nome, que saia finalmente deste ciclo vicioso dos estágios?

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 9 de setembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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