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O Diabo paga IMI

A casa própria, com ou sem vistas para o sol, parece ser a arma de arremesso escolhida pela Direita portuguesa para contar uma anedota sobre si mesma.

A casa própria, com ou sem vistas para o sol, parece ser a arma de arremesso escolhida pela Direita portuguesa para contar uma anedota sobre si mesma. De certa forma, a propriedade privada não deixa de ser uma escolha óbvia. Mas se a cultura não é um privilégio da Esquerda, o pátio da residência não é uma conquista adquirida da Direita. Em 74, "Liberdade", a primeira canção que Sérgio Godinho cantava em "À queima-roupa", começava pela invocação de nomes em rajada que se confundiam com desejos: "A paz, o pão, habitação, saúde, educação". Depois do "nonsense" de Passos Coelho e Assunção Cristas sobre o IMI das casas ensolaradas (como se uma mudança de coeficiente alterasse o princípio de avaliação), eis que o simulacro da Oposição ressurge pela voz do CDS e do PSD em forma de cruz marcada sobre a cobrança de IMI a edifícios da Igreja Católica. Está visto que das cinco reivindicações de Sérgio Godinho, a Direita ergueu a mão em riste e escolheu, sem pudor, a reivindicação do meio. Se a manutenção da paz esteve vergonhosamente a cargo dos seus aliados, todas as outras palavras estão emolduradas na parede da sala dos horrores do museu da PàF.

Passos já havia antecipado a vinda do Diabo em setembro. A presidente do CDS acusa o Governo de cegueira ideológica e a ex-ministra da Finanças, Maria Luís Albuquerque, discorre sobre um PS que "está muito mais próximo dessa extrema-Esquerda" na Universidade de Verão do PSD. Horas antes, o líder social-democrata voltava a assumir a sua pose de vigília na árvore dos condenados, à espera do oferecimento do corpo: "Mas quem é que põe dinheiro num país dirigido por comunistas e bloquistas?", perguntava. O capital chinês que o diga. Se para a Direita o pecado mora ao lado, seria bom que soubessem que o Diabo até quer pagar IMI. Quando, a propósito do IMI dos edifícios da Igreja Católica, Assunção Cristas sugere a tributação do património dos partidos políticos, esquece-se que foi o BE o único partido a inserir - no seu programa eleitoral para as Legislativas de 2015 - o fim da isenção de IMI para os partidos políticos, fundos imobiliários, Igreja e colégios privados. Não é especulação, muito menos imobiliária.

Setembro ainda não chegou e a sentença reza que a Ongoing de Nuno Vasconcellos já foi considerada insolvente. Com a assembleia-geral de credores marcada para 25 de outubro, não será necessário contratar um ex-espião e um deputado (que desconheça o que é a empresa) para saber qual o seu futuro próximo. Há alguns pretéritos donos de Portugal que já há muito abandonaram a propriedade e o solo. Isso sim, é o Inferno de alguns.

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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