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Passos em negação

Passos afirma não querer ser conivente com os erros dos outros mas é quase definitivo que continua a confundir oposição com desejo de sobrevivência.

Pontal, Quarteira, Algarve e Portugal na ponta da língua, enrolado por Passos Coelho. O que há de novo? O líder do PSD voltava à festa mas como líder da oposição e não parecia disposto a aceitar que perdera. O discurso encerra a mesma derrota, a mesma visão, a mesma retórica feita dos outros, o passado, o passado, o passado prometedor e o futuro que não será brilhante. Passos Coelho incarna a personagem do derrotado que mais tem reflectido sobre a derrota, a sombra incapaz de subir um degrau acima do vão da escada e traçar horizontes que não o público desejo da derrota de quem procura ultrapassar a austeridade que empobreceu o país à procura de vírgulas nos índices da retoma. Passos afirma não querer ser conivente com os erros dos outros mas é quase definitivo que continua a confundir oposição com desejo de sobrevivência.

É também esta transparência de Passos Coelho que lhe pode traçar o destino. Percebe-se à distância que o ex-primeiro-ministro não se conforma com o destino recente e com a inusitada solidez dos compromissos de governação à Esquerda. Parece ainda não ter ultrapassado a onda de choque, o efeito surpresa. É claro como água que prefere tudo menos isto que existe, esta "geringonça" que persiste. Oposição é para ele obstáculo, incompatibilidade, rivalidade. Talvez tamanho sentimento explique tamanha resistência em apresentar propostas alternativas em sede de Orçamento. Agora que já não reflecte sobre a vinda do Diabo em Setembro, sobra a curiosidade com que aguarda "o que aí vem nos próximos meses". Mas quando o diz, parece que puxa o lustro e afia o tridente.

Nenhum líder pode medir a sua relevância pelo primeiro comício da época e é também por isso que a rentrée política no Pontal é tão irrelevante como qualquer jogo de apresentação antes da época oficial. Se quiser medir o pulso ao país, Passos poderia estar mais atento às sondagens e aos sinais do próprio partido. Marques Mendes, minutos antes do discurso de Passos, carregava no acelerador das críticas como se lhe tivesse lido o discurso por antecipação: o PSD continua com um "discurso derrotista" centrado nas "questões financeiras" e ignorando as "questões sociais", podendo enfrentar uma "crise interna ou de liderança" caso não vença as próximas eleições autárquicas. É quase impensável que a espiral de negação de Passos possa conduzir à vitória no país real. Ao persistir nesta cruzada de desejo negativo, Passos continua a correr para o seu risco particular. Não será fácil. A irrelevância do Pontal pode começar a confundir-se com a sua irrelevância política mas Passos afirma que não é pessimista.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 17 de agosto de 2016

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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