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Foi em Setembro que te conheci

A robustez e inteligência táctica da geringonça está a transformar-se numa tragédia para a Direita portuguesa.

À entrada de Agosto, PSD e CDS-PP falharam todas as metas de apocalipse e todas as suas alucinações de fé pela derrocada de um governo sustentado por forças políticas que nunca se haviam habituado a tratar por tu diariamente. À Direita sobrava aquela esperança cínica - feita certeza - de que as forças do mal internas se encarregariam de implodir em poucos meses um acordo que sempre foi alvo de escárnio, maldizer e desdém pelas habituais antenas do sistema. Ei-los agora, tentaculares, à espera do Diabo em Setembro.

Após alguns meses e perante os sinais de saúde da coligação parlamentar, a Direita fez emigrar a sua esperança: se o Governo não se desmancha por dentro, abanaria pelas notícias de fora. Transferiu e depositou toda a sua esperança para os amigos europeus, salivando por sanções, multas e palmadas de régua e pouco esquadro da União Europeia (UE). Já não seria o Orçamento do Estado que abriria as fendas, seriam as vírgulas do défice a remexer nas chagas. Mas nada disso aconteceu. Lutaram por sanções. Tentaram agarrar-se à tábua enquanto esperavam pelo nadador-salvador. Mas nada disso aconteceu. E, entretanto, nem a liderança de Passos Coelho convence nem a de Assunção Cristas se afirma. A coligação reforça-se e cerra os dentes. É o que acontece, muitas vezes, a quem deseja a infelicidade dos outros para fazer o seu caminho: o beco sem saída é cada vez mais a estrada larga da Direita portuguesa.

Todos os movimentos da oposição os capacitam mais como relicários dos interesses particulares do que como referenciais do interesse nacional. Esperemos por Setembro para perceber se a Direita portuguesa tem menos capacidade de autocrítica do que o sacrossanto FMI. Se Passos e Cristas insistirem na estratégia de culpabilização nacional e na defesa de sanções europeias, dificilmente sustentarão as suas lideranças. Não será defensável, nem compreensível. Se tudo apostarem na suspensão dos fundos estruturais para Portugal, admitem a falência de qualquer projecto de progresso para o país.

É quase um programa de novas oportunidades para a Direita portuguesa. Não emigrem. Façam tudo cá dentro. Se temos "nas mãos o calor de Agosto", como na canção que Victor Espadinha celebrizou, será em Setembro que os conheceremos verdadeiramente. O tempo verbal não é arbitrário: se foi passado ou se será futuro. Não abunda a esperança nesta Direita-bagunça que faz das imperfeições da geringonça a sua força motriz. GPS para Agosto e auspício estival: a canção lembrava que "tudo são recordações" e acrescentava de imediato como "é triste viver de ilusões". Não são muitas.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 3 de agosto de 2016

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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