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O valor da justiça

Julho de 2016, o presidente de um país que é fronteira entre dois continentes incita o seu povo a apoiar uma violação básica – o direito à vida – inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 1948. Como se comportam os seus homólogos europeus e outros aliados?

Há palavras que encerram em si um valor imenso e cujo sentido e importância devemos preservar e aprofundar dia-a-dia porque correspondem a valores civilizacionais fundamentais da humanidade: Democracia, Justiça, Liberdade, Igualdade, Solidariedade, Paz.

É com enorme apreensão que assistimos diariamente a notícias de grande gravidade que, a não terem um tratamento adequado e uma reflexão profunda, arriscam ser apreendidas e assimiladas como naturais. Ao invés de um papel formativo, de criação de espírito crítico com base no contraditório e na informação séria e plural, sabemos qual tem sido o papel que os media têm tido na banalização e naturalização dos assuntos mais diversos que invadem o nosso quotidiano, sobretudo através da televisão que é o meio de comunicação social mais difundido e popular.

Um povo intoxicado facilmente sai à rua a apoiar o ditador que, invocando a democracia, exige o regresso à pena de morte que havia sido abolida em 2004. Ainda se desconheciam as motivações do tresloucado que se lançou sobre a multidão que na rua festejava o seu dia nacional, mas o veredito já estava previamente feito. Sabia-se que era um cidadão francês de origem tunisina, com alguns antecedentes criminais e de violência doméstica e vizinhos confirmaram que tinha um padrão de comportamento obsessivo. Agora sabe-se que, segundo palavras do ministro do interior francês, o atacante “se radicalizou muito rapidamente”. São bem conhecidos os vídeos de perseguições “à americana” a cidadãos geralmente negros, que acabam em linchamentos pela polícia, quando os fugitivos já estão totalmente indefesos! Se for negro, se for afegão, se for magrebino, se for cigano… então fica tudo mais facilitado.

Este padrão de acusar a priori, de fazer “justiça” pelas próprias mãos sem julgamento, de criar um clima de suspeição generalizada contra quem é diferente levando a população a aderir a esse clima, é um sinal muito perigoso para a democracia e o Estado de direito.

No livro “Mataram a Cotovia” da escritora norte americana Harper Lee, o advogado Atticus Finch pôs em risco a sua vida e dos filhos porque aceitou ser advogado de defesa de Tom Robinson, um jovem negro acusado de ter violado uma rapariga branca. Atticus provou a inocência de Tom, mas o preconceito do júri foi mais forte e ele foi condenado. E assassinado. Alabama, 1935.

Nelson Mandela a quem foi atribuído o dia 18 de Julho, dia do seu falecimento, como Dia Internacional Nelson Mandela, disse: “Fui considerado pela lei um criminoso, não por causa do que eu tinha feito, mas pelo que representava, por causa do que pensava e por causa da minha consciência”. Entre 1962 e 1990, esteve 27 anos na prisão pela defesa da igualdade e da não discriminação do seu povo.

Julho de 2016, o presidente de um país que é fronteira entre dois continentes incita o seu povo a apoiar uma violação básica – o direito à vida – inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 1948. Impensável este andar para trás. Como se comportam os seus homólogos europeus e outros aliados? O silêncio é inaceitável. O silêncio é conivência. Volto a citar Nelson Mandela: “Não é a nossa diversidade que nos divide, não é a nossa etnia, ou cultura que nos divide. Desde que alcançamos a nossa liberdade, só pode haver uma divisão entre nós: entre aqueles que prezam a democracia e aqueles que não”.

Artigo publicado em acontradicao.wordpress.com

Sobre o/a autor(a)

Professora aposentada, feminista e sindicalista
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