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O Olhar do Outro - Reflexão sobre a falência das políticas de integração

Na noite de 10 de julho último, foi com algum espanto que se assistiu a uma mistura de bandeiras nos Campos Elísios nas comemorações da vitória portuguesa no campeonato da Europa de futebol.

Às expectáveis bandeiras portuguesas, que afinal tinham vencido o jogo, juntaram-se bandeiras marroquinas, argelinas, em suma, dos povos do sul, dos povos imigrantes, dos povos excluídos.

E é, talvez, a melhor forma de explicar essas presenças. Foram aqueles que, de alguma forma, vivendo e trabalhando numa França que é cada vez menos uma Terra de Acolhimento, de Liberdades e de Solidariedades, se sentem de certa forma recompensados por uma derrota imposta aos da casa por um povo com quem se acabam por sentir identificados.

Foram as bandeiras da riposta pela falência de uma política de integração dos estrangeiros que nunca chegou a cumprir as promessas de igualdade, fraternidade e liberdade. E não importa a percepção de que os portugueses em França são considerados bons trabalhadores, respeitadores das leis e dos costumes, se há autarcas eleitos ou mesmo ministros (será o caso no país vizinho - o Luxemburgo).

A imagem do Outro permanece na retina como algo a excluir, a relegar para as tarefas mais ingratas, para os subúrbios, para as franjas de subalternização face aos “nacionais”. Não foi essa mesma a mensagem transmitida pela ausência de iluminação das cores portuguesas na Torre Eiffel... a única forma de humilhação a que ainda poderiam recorrer numa tentativa fútil de “salvar a face”?

O mal estar permanente e cada vez menos latente dos excluídos, dos Outros, nos subúrbios parisienses conduz cada vez mais a uma radicalização de extremismos de parte a parte, e das explosões de violência contra as coisas se passa cada vez mais às explosões de violência contra as pessoas - e quase que não importa quais são essas pessoas. Parece ser uma tradução, a uma escala diferente, das revoltas contra as colonizações imposta por um Ocidente arrogante e em decadência por parte dos povos espoliados do seu presente e do seu futuro.

Amin Maalouf ensaia uma explicação quer das atitudes do mundo árabe face ao Ocidente, quer das questões da exclusão da Modernidade nessa obra absolutamente fascinante que dá pelo nome de As Identidades Assassinas, e já lá vão quase vinte anos sobre a sua publicação. Uma explicação lúcida pelo seu duplo olhar de árabe (ainda que não muçulmano) e de imigrante (ainda que não tenha nunca vivido num bidonville ou tenha exercido profissão no batiment). Mas estes surtos de violência gratuita não cessarão por decreto, nem por palavras de boas intenções. A aceitação do Outro enquanto igual implica um reconhecimento de que poderemos estar errados, que não somos tão justos quanto nos pensamos, que a convivência pacífica implica cedências de ambos os lados, implica partilha, implica cumplicidade.

Sobretudo, implica sermos capazes de vermos o mundo com o olhar do Outro e tentar responder à questão - E o que acontece quando o Outro somos nós?

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, especialista em Formação Profissional. Deputado municipal do Bloco de Esquerda em Cascais, em regime de rotatividade
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