You are here

Os ministros deviam pôr os olhos no seu colega da Educação

Há muito a fazer para proteger o estado e o interesse público. A boa governação e a popularidade do governo também passam por aí. Fariam bem os ministros de António Costa se pusessem os olhos no seu colega da Educação.

O governo de António Costa não beneficiou do estado de graça que oposição, comentadores e media concedem a quem começa a governar. Desta vez, aliás, aconteceu exatamente o inverso: exigência máxima e tolerância zero. E, no entanto, este handicap não impediu o governo de estar nas boas graças dos portugueses, como sugerem todas as sondagens após seis meses de governação.

Não sendo milagre – se existem, não é certamente na política – nem simples reflexo do alívio sentido no país por ver Passos e Portas pelas costas, as boas graças do governo explicam-se pelo sentido que imprimiu à sua política: recuperação dos rendimentos, apoios sociais e serviços públicos. O governo deu prioridade à proteção dos que mais atingidos foram pelo empobrecimento e pelo desemprego.

Governar a pensar nos mais sacrificados marca um intenso contraste com os últimos anos. Todos os sacrifícios caíram em exclusivo sobre trabalhadores e reformados, as facilidades premiaram o mundo financeiro e os grandes empresários. A política tem outros destinatários e esta é a razão que explica a larga aceitação do governo por parte da opinião pública.

Até a palavra “geringonça” perdeu a conotação depreciativa e é hoje a forma friendly de tratar a maioria parlamentar que apoia o governo. Vasco Pulido Valente e Paulo Portas devem estar a morder-se de arrependimento...

O problema para António Costa é que não basta devolver às famílias o rendimento que lhes foi retirado, mesmo que o ritmo da devolução fosse mais acelerado do que está a ser. Como também não bastará restabelecer o funcionamento dos serviços públicos, promessa que aliás vai exigir tempo para ser cumprida. É, também, indispensável recuperar a transparência e a seriedade – numa palavra, a moral - na gestão dos assuntos do estado, muito especialmente dos seus negócios.

Os cidadãos esperam – exigem será talvez a palavra mais exata – que o governo traga à vida pública a moral que lhe tem faltado. A sociedade já não tolera mais o abuso, o compadrio e o favoritismo na condução da coisa pública. O povo espera deste governo que ponha um travão na podridão dos últimos anos e que faça as políticas públicas subordinarem-se ao interesse comum e não à vantagem particular e de grupo.

Alerta: acumulam-se demasiados sinais em sentido contrário. Na CGD a decisão do conselho de ministros de desbloquear o aumento dos vencimentos dos seus 19 (!) administradores para valores que ofendem os portugueses, é absolutamente injustificável mesmo à luz da complexidade e responsabilidade do trabalho a remunerar. O governo andou mal, meteu os pés pelas mãos, como que embrulhado na sua própria má consciência: primeiro era uma imposição europeia para, depois, afinal ser parte do plano de reestruturação da CGD.

A reforma da ADSE, a concretizar-se o plano proposto pela comissão liderada por Pita Barros - uma super mútua para entregar a uma seguradora privada – significa a transformação daquilo que já hoje é um grande negócio num negócio ainda maior, um euromilhões, como nunca os privados tinham sequer sonhado vir a ser possível.

Na Parvalorem, a empresa pública que gere as ruínas tóxicas do BPN/SLN, sucedem-se as negociatas de favor e em benefício dos amigos do “sistema”. O banco Efisa, depois de uma injeção de 90 milhões de euros aprovada pelo governo de Passos Coelho, é vendido por 38 milhões a uma sociedade de que Miguel Relvas é acionista.

E, agora, a mesma Parvalorem, prepara a venda a preço de saldo de uma das maiores redes de radiologia do país – o IMI, propriedade da falida Galilei - que tanto jeito daria ao SNS para expandir a sua capacidade de resposta e diminuir tempos de espera. Bastaria para tanto que o estado assumisse a sua posse administrativa em vez de aceitar de braços cruzados a sua entrega a um fundo estrangeiro que, segundo consta, tem ligações aos gestores e donos do grupo Galilei, os antigos acionistas da SLN e do BPN, os mesmos que ainda hoje devem ao estado mil milhões de euros!

Há muito a fazer para proteger o estado e o interesse público. A boa governação e a popularidade do governo também passam por aí. Fariam bem os ministros de António Costa se pusessem os olhos no seu colega da Educação.

Artigo publicado na revista “Visão” de 16 de junho de 2016.

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
Comentários (1)