You are here

A vergonha do trabalho infantil

Há 10 anos atrás, visitei o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, com um grupo de jornalistas de vários países europeus, de polacos a italianos, de dinamarqueses a alemães.

A conversa com um dos assessores destacado para nos acompanhar caminhava para o fim, quando alguém do grupo se lembrou de lhe pedir que desse exemplos sobre o conteúdo de algumas queixas que o Tribunal recebia. O dito assessor falou das condições das prisões em alguns países e depois atirou: "O trabalho infantil em Portugal".

Senti de imediato que todos os olhos dos meus colegas pousavam em mim, acompanhados de comentários entre a estupefacção e a reprovação. Confesso que não me lembro de um momento em que tivesse sentido tanto vergonha de ser portuguesa.

Dez anos depois, a leitura de uma notícia num jornal traz-me à memória esse momento tão constrangedor que vivi no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: A União de Sindicatos de Braga (USB) denuncia a existência de casos de trabalho infantil no Distrito de Braga. A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) diz desconhecer quaisquer denúncias, mas a estrutura sindical reafirma a existência de nove casos só na região de Braga.

A Confederação Nacional de Acção Sobre o Trabalho Infantil (CNASTI) reage sem surpresa, alegando que a própria organização recebeu recentemente queixas da mesma natureza. E acrescenta que a situação económica do país fazia prever a possibilidade de situações de trabalho infantil voltarem a surgir.

A pobreza alastra no País e Braga é um dos distritos mais massacrados. Se a isto somarmos a falta de recursos humanos nos Serviços da Segurança Social, na ACT, nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), a irresponsabilidade do Governo ao ter posto fim ao Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PIEF), e um Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) impiedoso que manda cortar nos subsídios de desemprego e noutros apoios às famílias, temos o caldo social e económico propício ao reaparecimento de uma nova vaga de casos de trabalho infantil.

Vinte anos depois da Convenção dos Direitos da Criança o reaparecimento de casos de trabalho infantil não pode deixar de constituir um inaceitável retrocesso civilizacional. Um clamoroso falhanço das políticas públicas de protecção à infância e às famílias mais desfavorecidas.

Mas sobre a vergonha desta dívida não há agência de rating que queira especular.

PS: O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda questionou a ministra do Trabalho e da Solidariedade Social sobre as situações de trabalho infantil denunciadas em Braga. Saiba mais em

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, técnica de segurança social.
(...)