You are here

O tabu do offshore da Madeira

Ninguém põe em causa a necessidade de incentivos públicos ao investimento na região, incluindo os fiscais. O que deve ser questionado é se a Madeira pode ou deve ficar refém de um offshore.

A Madeira é uma região ultraperiférica onde, durante décadas, a má gestão dos dinheiros públicos, a completa inversão de prioridades políticas e, mais tarde, a austeridade acentuaram as situações de pobreza e a urgência de políticas de desenvolvimento económico e social. Ninguém põe em causa a necessidade de incentivos públicos ao investimento na região, incluindo os fiscais. O que deve ser questionado é se a Madeira pode ou deve ficar refém de um offshore, que usa e abusa do discurso do desenvolvimento regional para justificar a sua própria existência quando, na verdade, os objetivos são outros.

O regime da Madeira não é equiparável ao das ilhas Caimão, sobretudo em termos de exigências de transparência, mas é utilizado para favorecer práticas internacionais de planeamento fiscal agressivo, sobretudo ligado a esquemas de sobrefaturação.

Na verdade, a lei já prevê que, para usufruir de benefícios de IRC, as empresas tenham de criar um certo número de postos de trabalho. O problema é que não se diz nem se fiscaliza o tipo de trabalho, permitindo que empresas facilmente se estabeleçam detendo apenas um código postal e um falso trabalhador. O que o projeto do Bloco quer fazer é, para as novas empresas que venham a instalar-se, definir regras mais exigentes para o emprego criado.

Neste momento, uma empresa com lucros até 2,73 milhões de euros pode beneficiar de um IRC de 5% desde que crie um "posto de trabalho". Na nossa proposta, essa empresa passaria a ter de empregar pelo menos seis pessoas a tempo inteiro com contrato por tempo indeterminado. Assumindo salários médios de 900euro, a nova regra equivaleria a 3,7% do lucro. Se a Associação Comercial e Industrial do Funchal acha que isto põe em causa o centro internacional, então é porque admite que o seu propósito não é criar emprego mais sim atrair empresas que querem reduzir a sua fatura fiscal.

O projeto visa também eliminar as isenções para a distribuição de dividendos e rendimentos aos acionistas. Se o propósito é incentivar as empresas que se localizam na Madeira, então as políticas devem ser direcionadas para as empresas em vez de se constituírem como borlas aos seus donos.

O projeto do Bloco não incomoda pelos efeitos negativos que possa ter na Madeira, até porque esses argumentos são falsos. Incomoda porque expõe a verdadeira razão da sua existência.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 7 de junho de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
(...)