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Coimbra, capital dos contratos de associação redundantes

Nove colégios privados de Coimbra recebem 12 milhões para duplicar oferta educativa da rede pública escolar.

Nestes últimos quatro anos repetiram-nos, à saciedade, que os recursos financeiros do país são escassos; que temos de fazer opções e racionalizar as despesas do Estado; que os serviços públicos de educação, saúde e segurança social não serão sustentáveis; que o dinheiro não chega para tudo.

Entre 2011 e 2014, o orçamento de Estado para a educação sofreu cortes de mais de 2.000 milhões de euros, colocando Portugal ao nível de países menos desenvolvidos e pondo em causa todo o trabalho e progressos das últimas décadas, ameaçando um verdadeiro retrocesso civilizacional.

Em nome de uma austeridade salvífica, imposta pelo Memorando da Troika, os governos (PS e PSD/CDS) aplicaram um conjunto de medidas de racionalização da rede educativa e dos recursos financeiros. Entre outras medidas, impuseram a constituição de mega agrupamentos de escolas que não tiveram em conta os projetos educativos das escolas agrupadas, nem tão pouco a necessidade de humanizar e aproximar as direções das escolas às comunidades educativas; aumentaram o número de alunos por turma; levaram a cabo uma reforma curricular que eliminou áreas de formação pessoal e social (Estudo Acompanhado, Formação Cívica e Área de Projeto), encerraram-se milhares de escolas; lançaram-se no desemprego milhares de professores.

Paralelamente, o Estado continuou a assegurar financiamento público para colégios e escolas privadas, que duplicam a oferta de serviço educativo em zonas onde existe oferta de escolas públicas de qualidade, mais do que suficiente, para satisfazer todas as necessidades da população.

Coimbra é, neste plano, exemplo paradigmático. Com os seus nove colégios privados, em concorrência direta com 16 escolas públicas de 2.º, 3.º Ciclos e Ensino Secundário, absorvem cerca de 10% dos contratos de associação financiados pelo Orçamento de Estado, que o mesmo é dizer por todos nós contribuintes.

No presente ano letivo (2015-2016) foram concedidos aos colégios e escolas privadas de Coimbra 141 turmas com contratos de associação, desde o 5.º ao 12.º ano, que duplicam a oferta educativa em áreas geográficas onde não só existe oferta pública de excelente qualidade, como se encontram várias escolas a funcionar a pouco mais de 60% da sua capacidade, gerando um subaproveitamento dos recursos físicos e humanos disponíveis. Estes contratos de associação apenas duplicam a oferta educativa onde ela já existe, onerando a despesa pública do Estado em cerca de 12 milhões de euros/ano. A única justificação para a sua existência e continuidade resume-se a assegurar a distribuição de rendas do Estado aos interesses privados.

Não está em causa a liberdade de iniciativa privada, com fins essencialmente, e legitimamente, lucrativos. A Constituição da República assegura, e bem, a liberdade de aprender e de ensinar, bem como o direito de criação de escolas particulares e cooperativas (art.º 43.º). Mas, em lado nenhum garante o seu financiamento com dinheiros públicos. Tão pouco está em causa a propalada liberdade de escolha das famílias entre escolas e sistemas, que aliás, é uma falácia. As famílias têm todo o direito de escolher as escolas e os projetos educativos que achem mais adequados para os seus filhos, desde que paguem do seu bolso as suas escolhas.

Trata-se, pois, de cumprir o que a própria lei determina, os contratos de associação só devem ser “celebrados com escolas privadas situadas em zonas carenciadas de escolas públicas” (art.º 14. 1. do D-L n.º 553/80). Como já foi demonstrado, à saciedade, não é esta a situação do concelho de Coimbra, como aliás a da maior parte dos contratos de associação que se registam por todo o país.

Ao Estado incumbe garantir o direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar (art.º 74.º da CRP). Para isso, está constitucionalmente obrigado a criar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população” (art.º 75.º da CRP).

Assim sendo, ao Estado exige-se que cumpra a Constituição, pondo fim ao financiamento de oferta educativa privada, que é redundante e sem sustentação legal, ou outra, que não seja o favorecimento de interesses privados com fins lucrativos, ou do ensino de cariz confessional.

O financiamento do Estado deverá ser reorientado para aquilo que é a sua missão e prioridade: promover a melhoria da qualidade do serviço educativo, investindo na requalificação da rede pública de escolas. Em Coimbra há escolas que há mais de 40 anos não recebem obras de manutenção e reabilitação significativas (casos das escolas secundárias José Falcão e D. Duarte, entre outras).

Há que reforçar o investimento na Educação Especial, dotando-a de meios e recursos físicos e humanos, adequados para dar resposta inclusiva e de qualidade às crianças e jovens que dela carecem; investir em meios, equipamentos e projetos educativos que permitam a melhoria do ensino, o combate ao insucesso e ao abandono escolar; melhorar meios e recursos que permitam o desenvolvimento de Atividades de Enriquecimento Curricular.

Num contexto de crise económica e financeira que cava assimetrias, contribuindo para gerar o insucesso e o abandono escolar, é imperioso reforçar a Ação Social Escolar. Há várias escolas públicas onde cerca de 1/4 dos alunos apresentam várias carências, nomeadamente alimentares, encontrando nas escolas, a única resposta às suas necessidades básicas.

Torna-se também urgente exigir ao município de Coimbra, como aliás nos outros municípios, que melhore a oferta de transportes públicos adequando-a, em termos de trajetos e horários às necessidades dos alunos, de modo a facilitar o transporte para as escolas públicas.

Todos os alunos da escola pública deveriam poder usufruir de subsídio de transportes, independentemente da distância a que residem da sua escola, eliminando os constrangimentos atuais que limitam o acesso ao subsídio de transportes aos alunos que residam num raio de 2kms de uma escola pública. Isto, quando os colégios privados dispõem de autocarros que vão buscar os alunos à porta de casa.

Haja coragem e determinação para pôr fim ao despesismo, acabando com os privilégios e as rendas garantidas que é o que representam a maioria dos contratos de associação.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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