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Bicho escondido com rabo de fora, ou o TTIP a descoberto

Finalmente, podemos conhecer uma parte da negociação secretíssima entre a União Europeia e os EUA acerca de um novo tratado para as trocas comerciais e financeiras (TTIP).

Os documentos reservados, 248 páginas, foram divulgadas pelo Greenpeace, mas estão ainda incompletos, pois não incluem as partes sobre e-comércio, serviços financeiros, regras de origem, coerência regulamentar e recursos comerciais.

Os textos revelam negociações difíceis e não se vê como poderiam estar concluídas no final do ano, como Obama terá tentado convencer Merkel na sua visita recente à Europa.

Há duas razões principais para esta dificuldade. A primeira é que os negociadores dos Estados Unidos são muito agressivos (por exemplo, ameaçam boicotar as exportações de carros europeus para os EUA se a Europa não aceitar os alimentos transgénicos produzidos por empresas norte-americanas) mas não apresentaram propostas em alguns dos dossiers chave do tratado. Pior ainda, recusam as propostas para que as empresas da UE tenham acesso aos concursos nos mercados públicos norte-americanos, ao passo que exigem uma inversão da política europeia, aceitando que as empresas tenham a última palavra quanto a regras de saúde pública ou de proteção do consumidor. Assim, o Tratado imporia a abdicação do princípio de precaução na introdução de produtos que potencialmente afetem o ambiente, a alimentação ou outros bens. Os analistas registaram igualmente que as normas que estão a ser negociadas nada garantem sobre proteção ambiental ou sobre os objetivos de descarbonização que foram desenhados para evitar as alterações climáticas.

Talvez por essa intransigência, para já não parece haver cedência dos negociadores europeus em alguns destes dossiers que estão incluídos nestes documentos, segundo o New York Times ou o Le Monde.

Em segundo lugar, outras dificuldades acrescem a estes impasses negociais. Houve três milhões de pessoas que assinaram a petição contra este Tratado e o movimento contestatário é sobretudo forte na Alemanha. Nos EUA, Hillary Clinton tem recuado no seu apoio à iniciativa e Bernie Sanders e Donald Trump opõem-se ao Tratado.

Estará ele morto? Não precipitemos o funeral, porque o bicho mexe. A força da liberalização dos mercados não é somente uma doutrina, é uma vantagem económica imediata para as maiores multinacionais. E essas falam por governos. Será certamente uma corrida contra o tempo, mas os protagonistas desta negociação procurarão salvar o Tratado e impô-lo por cima de todas as razões.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 3 de maio de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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