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Uma terra sem amos

E foi 25 de Abril outra vez! É assim todos os anos. Está escrito nas estrelas e inscrito no nosso calendário…

E a cada Abril, no dia 25, os rituais repetem-se, uns anos com mais intensidade, outros com menos exuberância. As análises e os discursos sucedem-se, atropelam-se, contradizem-se: - Golpe de Estado! Revolução! Insurreição! Democracia! Anarquia! Liberdade! Libertinagem! Poder da rua! Esquerdistas! Comunismo! Perseguição! Terror! Solidariedade! Não à opressão! Fim da guerra colonial! Emancipação feminina! Direitos iguais para todos/as!

Os/as Poetas deram-nos o mote e o refrão e nós cantamos, festejamos, celebramos: - “A Paz! O Pão! Habitação! Saúde! Educação! Só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir, quando pertencer ao povo o que o povo produzir”…

Pelo meio, lá vamos deixando cair uns desabafos, uns saudosos, outros queixosos, muitos desiludidos: - ‘Não foi para isto que fizemos o 25 de Abril’, ou ‘Se foi para acabarmos assim, não valeu a pena’, ou ‘Os jovens não querem saber do 25 de Abril’…No fim da lamúria, surge, invariavelmente, a frase sacramental ’25 de Abril sempre’…o que quer que isto queira, realmente, dizer, para todos/as e cada um/a de nós.

Ora, quem, como eu, sorveu o dia 25 de Abril de 1974, sabe que foi lindo e inesquecível, mas também sabe que é, absolutamente, irrepetível! Por isso, de nada adianta queixarmo-nos do presente, fazendo do passado o nosso bode expiatório. De nada adianta queixarmo-nos da indiferença dos/as jovens, face a um “dia inicial, inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo” porque, na realidade, nenhum/a deles/as pode dizer, hoje, como tantos/as de nós dissemos, então, pela boca da Poeta, que aquela era “(…)a madrugada que eu esperava”.

E, por favor, deixemos de nos interrogar, com angústia e medo, se ‘valeu a pena?’! Olhemos à nossa volta, onde quer que estejamos – em S. Miguel, na Graciosa, no Algarve ou em Trás-Os-Montes – e sejamos justos/as, e sejamos gratos/as: quem perdeu tudo (até mesmo a própria vida), ao longo de uma luta sem tréguas, durante décadas seguidas, contra a opressão mais torpe e a miséria mais indigna, jamais perceberá a nossa dúvida.

E, ao mesmo tempo que a luta lhes sorvia a(s) vida(s) cantavam, vejam lá, cantavam a plenos pulmões: - “Senhores, patrões, chefes supremos/Nada esperamos de nenhum/Sejamos nós que conquistemos/A terra mãe, livre e comum/Para não ter protestos vãos/Para sair desse antro estreito/Façamos nós por nossas mãos/Tudo o que a nós diz respeito!”.

Aos seus ombros, é a nossa vez de reinventar o futuro e de lutar por ele…com cravos, se for preciso! Ah, e também podemos cantar, juntos/as, porque a luta é longa mas cada conquista é uma festa: - “Bem unido façamos/Nesta luta final/Uma terra sem amos/A Internacional!”

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Deputada à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, entre 2008 e 2018.
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