PMA: passos no caminho da igualdade

porMoisés Ferreira

21 de April 2016 - 11:34
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O caminho da justiça e da igualdade é longo e contínuo; a nenhum momento podemos tomar por garantido o que já foi conquistado, a todo o momento temos que deslaçar novos nós que impedem a plenitude de direitos.

Dirão: ‘Elementar, meu caro’. Para que serve, então, esta introdução?

Para falar da discussão que neste momento se faz na Assembleia da República sobre Procriação Medicamente Assistida. É um daqueles assuntos em que é preciso ainda desatar muitos nós. Alguns difíceis.

A atual lei discrimina; alterar a atual lei é um exemplo do longo e contínuo caminho a fazer. A atual lei diz que só podem recorrer a técnicas de PMA mulheres que estejam casadas ou vivam em união de facto com um homem. Exige ainda um diagnóstico de infertilidade. A atual lei discrimina, como se vê, em função da orientação sexual e do estado civil, e a exigência do diagnóstico de infertilidade serve apenas para blindar as normas discriminatórias.

Há, nos dias de hoje, uma lei que parece que apenas admite um determinado tipo de família ou, pelo menos, só reconhece o direito a um projeto de parentalidade a um determinado protótipo de família. Se és heterossexual e tens contrato a provar que vives com um homem, então sim, o Estado reconhece-vos o direito a ter um filho biológico; se não és heterossexual ou se por acaso pensas que podes ser uma família monoparental, então o Estado tem muitas dúvidas sobre a tua legitimidade e capacidade para gerar e criar uma criança nascida do teu material genético.

Preconceito! Não há mais nenhuma razão para que a legislação se mantenha nestes termos. Há sempre quem atire com o argumento do ‘superior interesse da criança’, não compreendendo que o interesse da criança é ser desejada e é crescer num ambiente em que se é querida. Não compreendendo que esse interesse não depende da orientação sexual ou do estado civil da sua mãe.

Há longos caminhos que temos que percorrer diariamente para conquistas permanentes de justiça e de igualdade. Queremos acreditar que este também será percorrido com sucesso; queremos acreditar que o Parlamento aprovará o alargamento do acesso a técnicas de PMA a todas as mulheres. Queremos acreditar que em 2016 Portugal deixará de obrigar algumas mulheres a irem a Espanha para engravidar; queremos que Portugal, em 2016, reconheça a todas as mulheres o direito ao seu projeto de parentalidade. Pois se esse é um desejo seu, porque não reconhecer-lhes o direito a concretizar esse desejo?

Mas, apesar de este ser um passo grande e importante, é, ainda assim, insuficiente. Que insuficiência é essa? Casos muito específicos de mulheres que por ausência de útero (por exemplo, o síndrome de Rokitansky), lesão (casos em que é feita a remoção parcial ou total do útero na sequência de uma doença oncológica) ou doença (alguns casos de endometriose) deste órgão são incapazes de engravidar ou de ter uma gravidez viável.

Estas mulheres podem ser mães biológicas porque continuam a produzir ovócitos ou porque preservaram a sua fertilidade; no entanto, nunca o poderão ser se a legislação não se alterar no que toca à gestação de substituição. Atualmente o recurso a esta prática é totalmente proibido. Não deveria ser!

A gestação de substituição deveria ser possível a partir do ponto em que as técnicas de PMA são inúteis; ser, portanto, um recurso complementar para aquelas mulheres a quem as técnicas de PMA não conseguem dar resposta. Para uma mulher que teve que fazer uma histerectomia, técnicas como a inseminação artificial ou a fertilização in vitro em nada a ajudarão a ser mãe, porque esta mulher não tem útero; para esta mulher as técnicas de PMA disponíveis são insuficientes, sendo necessário prever a possibilidade de recurso a uma outra mulher para que esta faça a gestação do seu filho.

Encontraremos sempre desafios atrás de desafios no caminho da justiça e da igualdade, mas não abandonaremos nenhum. E mesmo que às vezes alguém nos pergunte, mais ou menos ensonado por levar na barriga a ideia de que já tudo está feito, “Vocês não têm nada melhor para fazer?”, nós responderemos que no caminho pela igualdade não há lutas menores, há sim lutas constantes!

Artigo publicado em acontradicao.wordpress.com

Moisés Ferreira
Sobre o/a autor(a)

Moisés Ferreira

Dirigente do Bloco de Esquerda. Psicólogo
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