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Os offshores acabaram há sete anos?

Estas notas podem mostrar o que se avançou e não avançou desde uma crise anterior com contas em offshores.

Olhando para os meus papéis, encontrei uma intervenção que fiz no parlamento em 16 de abril de 2009. Transcrevo algumas partes (o que está entre parêntesis são notas complementares escritas agora), não para reclamar qualquer presciência – outros defenderam o que aqui argumentei, noutros países europeus e muito antes – mas unicamente porque estas notas podem mostrar o que se avançou e não avançou desde uma crise anterior com contas em offshores (na imagem, clique para ampliar, uma conta conservadora recente sobre os montantes que podem estar escondidos em offshores).

Nesse feliz mês de abril de 2009 – há portanto sete anos – as maiores autoridades mundiais anunciaram que os offshores tinham acabado, depois de mais um escândalo que revelou para que servem – como outros escândalos antes desse. Boa notícia, não acha? Foi o mote da minha intervenção, mesmo que ligeiramente céptico como verificarão os leitores.

“‘O segredo bancário termina hoje’, escreve-se na conclusão da cimeira de Londres do G20. ‘O segredo bancário termina hoje’: foi há duas semanas. É preciso acabar com a economia que está na ‘sombra’, dizia Sócrates, ou que está no ‘submundo’, dizia Durão Barroso. Agora já não há nenhuma desculpa para não agir.

Os projetos de lei que hoje apresento entregam a todas as deputadas e a todos os deputados a responsabilidade primeira na instituição de uma nova forma de regulação em que a transparência substitua a sombra e impeça a proteção ao crime. As leis que hoje vão ser votadas são um novo começo, depois de anos perdidos no combate à corrupção. (Foram rejeitadas, fique já a nota, para que não haja nenhum suspense)

Esta é uma urgência nacional. O monstro cresceu em todos esses anos perdidos: permitiu-se a evasão fiscal através dos offshores, permitiu-se a especulação que delapidou as poupanças de milhões de pessoas, permitiu-se a reciclagem do dinheiro do crime em contas anónimas, permitiu-se tudo.

Os prejuízos são imensos. E em Portugal são avassaladores: se compararmos o impacto no PIB dos Estados Unidos da maior fraude da sua história, o escândalo Madoff, com o impacto das perdas do BPN no PIB português, verifica-se que entre nós o impacto é três vezes maior. O país tem estado a saque.

E ninguém pode dizer que não sabia o que fazer. O que já se conhece dos grandes escândalos bancários, do BCP, do BPN, do BPP, demonstra que tinha razão Cavaco Silva quando propunha, em anos recentes, o fim do segredo bancário. Tinha razão o presidente do Supremo Tribunal de Justiça que demonstrava que só haverá combate ao crime económico com o levantamento do segredo bancário.

Hoje tem que ser o dia do fim do segredo bancário. E essa é a primeira proposta que será aqui votada. O fim do segredo bancário é a primeira condição para a verdade fiscal. A corrupção continuará a ser protegida se o dinheiro que a paga estiver escondido em contas secretas ou discretas. O enriquecimento ilícito será acarinhado enquanto o fisco não puder verificar a verdade da conta bancária. A maioria pagará impostos altos e a minoria fugirá aos impostos, enquanto o fisco não puder comparar a declaração do IRS com o que cada pessoa recebeu na sua conta.

Total transparência e total responsabilidade. O combate ao crime económico, que é o mais grave de todos os crimes que não são investigados nem punidos em Portugal, exige transparência total.

A defesa dos direitos dos contribuintes é assegurada nesta lei, em primeiro lugar porque o fim da evasão fiscal beneficia todos e, em segundo lugar, porque o fisco só terá acesso a informação pertinente sobre os depósitos na conta, e não sobre a privacidade dos gastos de cada pessoa. Total transparência no que é relevante para a verdade fiscal, é esse o sentido do fim do segredo bancário.

O segundo grupo de projetos que apresento responde às perdas fiscais em offshores.

No último ano, foram transferidos mais de 9 mil milhões de euros de Portugal para offshores. São 5% do produto, o que bastaria para construir o TGV de Durão Barroso ao lado do TGV de José Sócrates. No offshore da Madeira terão sido perdidos 1700 milhões de euros de imposto não cobrado (contas oficiais do Orçamento): o suficiente para construir a nova ponte sobre o Tejo.

As perdas são gigantescas: a aplicação destes dinheiros em investimento no país transformava o colapso do PIB em 3,5%, previsto pelo Banco de Portugal para este ano, num crescimento igual ao dos últimos dois anos juntos. Recuperar esse dinheiro é agora uma questão de sobrevivência nacional.

Não permitiremos que nos digam mais que não há dinheiro para pensões de reforma mínima, ou para os subsídios de desemprego, ou para o investimento que crie emprego. Há dinheiro, mas fugiu. Fugiu para não pagar impostos, ou para essa especulação que começou o tsunami da crise internacional que estamos a viver. E se fugiu, temos que o recuperar.

É por isso que insisto numa nova abordagem contra os offshores. Já não são suportáveis as almas piedosas que nos dizem que, porque querem acabar com os offhores mas tem que ser em todo o mundo ao mesmo tempo, não estão disponíveis para fazer nada. Por isso proponho que seja recusada qualquer transferência para offshores, a começar pelos da Europa, como a Áustria, a Suíça, o Luxemburgo ou territórios do Reino Unido, que não estabeleçam com Portugal um acordo de cooperação judicial. E que devemos dar o exemplo: na Madeira não poderá estar registada nenhuma empresa que não faça a declaração de IRC ou de IVA, ou que não tenha um balcão ou uma agência aberta na região. Permitir empresas virtuais e obscuras é hoje o que sempre foi: favorecer a lavagem de dinheiro.

Em terceiro lugar, proponho um pacote de medidas contra o abuso. Ao longo dos últimos anos, a generalização da especulação e a ‘sombra’ destas economias do ‘submundo’, para voltar a usar as expressões de Sócrates e Barroso, favoreceram uma apropriação de pagamentos milionários a gestores e acionistas.

Em Portugal, os gestores das empresas do PSI-20 ganham três vezes mais do que os das outras cotadas: cerca de 70 mil euros/mês em média. Em 2008, os administradores receberam 6,9 milhões na PT; no BES, 14,4 milhões; na EDP 7,7 milhões. Na Sonaecom, metade dos lucros vão para os administradores.

Quando são os próprios ou os seus mandatários quem decide dos salários, pode-se chegar ao céu. No BCP, um acionista acusa os administradores que estão a ser investigados por acusações de crimes de mercado, e de que se sabe que receberam quase 100 milhões de euros de prémio de despedida, de terem recebido outros 700 milhões durante os anos em que teriam viciado as contas. (Sabe-se o que veio depois no BCP e em muitos outros bancos nacionais)

Este regime financeiro favorece a ocultação, a engenharia financeira, a manipulação de provisões, e tem como resultado uma gigantesca desigualdade salarial em Portugal. É altura de impor regras.”

(Ficou tudo na mesma, o PS, PSD e CDS ficaram incomodados com a ideia de que se devia fazer alguma coisa e votaram em consequência. Foi há sete anos. Agora há um novo escândalo com offshores, os Panama Papers, e começa tudo de novo. Elisa Ferreira propõe que a União Europeia seja a primeira a acabar com os seus offshores. Já se antecipa a resposta que vai ter. Schauble propõe agora concretizar medidas que já estão decididas há anos e que nunca foram aplicadas. Permitem-me o ceticismo?).

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 15 de abril de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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