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De cima abaixo, uma nova oportunidade para a cultura

A recente mudança na cultura constitui uma oportunidade para reequacionar os problemas do setor dando algum protagonismo a questões que as mais das vezes permanecem atrás do cenário. Na verdade, elas merecem um lugar entre As luzes da ribalta.

O novo ministro é um poeta. Ser poeta é bom. O gabinete do ministro, mesmo no Palácio da Ajuda, não é um lugar inspirador para escrever poesia. Ainda bem. O ministro diz que quer conhecer a realidade e os problemas do ministério. Intenções que aprovamos mas cuidado. O ministério da cultura é uma malha presente em todo o território. Querer conhecê-los é uma inevitabilidade mas pode tornar-se numa armadilha ou apenas num empurrão para a frente.

Ser poeta é … É magnífico que estime os livros, que os escreva. Ele precisa de livros e nós também. A tal literacia cultural a que já aludiu começa por aqui. Se não tiver sido em casa que seja na escola que se aprenda a considerar os livros como parte da vida (assunto sobre o qual, com o colega da educação, talvez pudessem trocar ideias e articular projetos conjuntos). Quem diz livros, diz documentos e, desta vez, pode ser que as bibliotecas e os arquivos sejam atendidos. Bibliotecas de todos os géneros, todos mesmo. As públicas, as eruditas e as académicas. Aliás, umas não tiram o lugar às outras. Entre bibliotecas não há competição. Não referirei artes performativas sempre com muitos defensores. Os museus e o património arqueológico ou monumental também nunca são esquecidos. Os livros e os documentos, sim.

A leitura pública concita muita atenção e várias preocupações. É importante que assim seja tornando-se, então, oportuno clarificar que as bibliotecas não sendo livrarias tão pouco são armazéns e que dispor de muitos livros, adquirindo os que não entram por obrigação legal, de forma a assegurar a permanente atualização das linhas temáticas, é a única coisa certa a fazer em matéria de bibliotecas. Ter livros em casa é muito positivo mas não elimina o papel das bibliotecas, antes o estimula. O ministro tem livros em casa, mostrou-nos. E que a internet não substitui o livro e não há pensamento estruturado e conhecimento sem a basesinha que são os livros. Cuidados e caldos de galinha com o património bibliográfico nunca fizeram mal a este e, já agora, respeite-se este indicador de civilização e de cultura, claro, como ele merece.

O depósito legal pratica-se em Portugal mas com uma lei de 1982 a pedir há muito tempo uma revisão ousada. Porquê ousada? Porque não pode ser revista para satisfazer compadrios; tem de pensar no todo respeitando as várias identidades e necessidades e deve atender às grandes transformações do mundo editorial. E uma vez com a mão na massa, seria muito conveniente tomar providências e definir estratégias quanto à informação digital. Não o fazendo, será como revisitar E tudo o vento levou.

Os arquivos precisam igualmente de muita atenção. Pode ser que ninguém refira ao ministro que é indispensável definir uma política arquivística para o país, que atenda ao suporte papel e ao eletrónico, impedindo que sejam eliminados documentos por falta de espaço ou que se percam porque estão arrumados sabe-se lá para que cantos ou caves a apodrecer e a servir de ninho a insetos e a roedores ou que desapareçam na galáxia, coisa perigosa e irresponsável. Os documentos não são papéis ao molho nem são registos voláteis para esquecer no turbilhão dos dias. A recolha sistemática e atempada dos documentos produzidos pela máquina do Estado ou pelos privados é uma obrigação do Estado e representa um direito à preservação da nossa história. Para concluir estas avaliações e com sucesso levá-las à prática, vai ser preciso determinação e algum distanciamento institucional.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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