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A bofetada parva e a bofetada idiota

Um Ministro de um governo democrático que recorre a botas, ainda por cima logo pela madrugada, não pode ser ministro.

The Fish Slapping Dance. De todas as horas de humor que os Monty Python criaram, este é o sketch que os cinco elegeram como a sua melhor criação. Porque é muito parvo. E, de facto, dois homens que se esbofeteiam um ao outro com peixes enquanto dançam é uma coisa parva. Uma grande parvoíce sobre nada. E eu aplaudo a parvoíce. Mas uma coisa parva não é uma coisa idiota. Uma idiotice acontece quando suspeitamos que a coisa parva que estamos prestes a fazer não devia ser feita – porque é sobre alguma coisa – e, ainda assim, fazemos a coisa parva, transformando-a em coisa idiota. Regra geral, uma coisa parva é sobre nada, e uma coisa idiota é sobre alguma coisa.

Imaginem que o homem que, neste sketch, pega no peixe e esbofeteia outro homem não era apenas um homem mas sim um assessor de imprensa e o outro um jornalista. E imaginem que o peixe não era um peixe mas sim a bota do dito assessor de imprensa. Se a bota do assessor de imprensa alcançasse o calcanhar do jornalista de forma contundente, a coisa parva transformava-se imediatamente em coisa idiota.

Ora, por volta das seis horas desta manhã, o Ministro da Cultura leu o artigo do Augusto M. Seabra e, ainda sem óculos, pegou numa bota a pensar que era um peixe esquecendo-se que os Ministros têm assessores de imprensa especializados na utilização de botas (o que só faz refletir sobre a necessidade de os assessores de imprensa utilizarem as botas nos Ministros e não nos jornalistas). Um Ministro de um governo democrático que recorre a botas, ainda por cima logo pela madrugada, não pode ser ministro.

O que Augusto M. Seabra escreveu no Público é uma avaliação bastante consensual sobre os primeiros seis meses do Ministro da Cultura. Clara Ferreira Alves bem se esforçou por o ajudar no início com um receituário excelente de iniciativas inócuas. Outros suspiraram de alívio por, ao menos, não ser nomeada Gabriela Canavilhas. A inabilidade com que João Soares geriu a demissão de António Lamas – ostensivamente para evitar falar sobre um milímetro de política cultural - fragilizou-o mediaticamente depois de se deixar fragilizar politicamente com um orçamento menor do que o do governo anterior. O Partido Socialista criou expetativas que defraudou. E há alturas que as botas devem ser usadas no traseiro de um Ministro.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
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