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O donut Medina

Fernando Medina caraterizou o esvaziamento do centro da cidade em direção à periferia como o “efeito donut”. Tem razão.

Fernando Medina caraterizou o esvaziamento do centro da cidade em direção à periferia como o “efeito donut”. Tem razão. As últimas décadas de gestão urbanística ficaram marcadas pela expulsão de quem habitava o centro de Lisboa. Incentivos à construção nova na periferia e planos diretores feitos à medida, alimentaram os cofres municipais com taxas urbanísticas, IMI e IMT.

Interessa saber então o que propõe Medina para resolver este problema. Em abril de 2015, quando substituiu António Costa à frente da CML, avançou com a promessa de trazer 5000 famílias para viver em Lisboa. Adiantou pouco sobre como o faria mas na entrevista do passado fim-de-semana concretizou mais alguma coisa. Ficámos então a saber que o entusiasmo da tomada de posse empolou os valores e já não serão 5000 famílias até 2017 mas talvez, se tudo correr bem, em 2019 se concretizem “duas ou três operações piloto”, para ver como corre. O modelo é simples, diz Medina. A CML disponibiliza terrenos, ou propriedades suas, os privados constroem, recebem as rendas durante 30, 35 ou 40 anos e no final do período da concessão entregam o património à câmara. Garante também que o valor das rendas será pré-estabelecido para que se tornem acessíveis a quem tem pouca capacidade económica para voltar a viver na cidade. Deu como exemplo 450 euros por um T2. Esta estratégia tem dois problemas: nem os preços competem com o “mercado livre” nem os investidores/empresas de construção estarão interessados em cobrar rendas durante 40 anos para recuperar o investimento. Ou esta “PPP” não está bem explicada ou ficará pela operação-piloto.

Mas Medina tenta proclamar a solução para o problema que ele próprio alimenta. A expulsão dos residentes do centro da cidade, não sendo recente, foi acelerada nos últimos anos. A estratégia de reabilitação urbana sustentada na especulação e na exploração turística tem as consequências à vista. O preço das casas no centro histórico subiu 22% no ano de 2015. A expulsão de inquilinos, maioritariamente idosos e desprotegidos economicamente, para instalação de hotéis tem sido a regra: 2 hotéis por mês abrirão em Lisboa durante este e o próximo ano. O processo de gentrificação da cidade alastra-se no centro histórico. Medina desvaloriza dizendo que “o turismo na baixa não afasta residentes porque eles já cá não estavam”. Estamos conversados.

Agrava o cenário de incapacidade de resposta a este problema a política de alienação de património seguida pela CML. O saneamento financeiro das contas do município tem sido feito, em grande parte, à custa de receitas de venda de património. É uma opção errada. O vasto património municipal poderia ser um instrumento determinante na política de habitação, de incentivo ao retorno ao centro da cidade e de condicionamento do mercado de arrendamento.

O Bloco apresentou em 2013 na campanha autárquica várias propostas para resolver os problemas da habitação em Lisboa. A criação da bolsa de arrendamento que incluísse os imóveis do município e os de particulares. A aplicação de uma quota de 25 por cento de habitação a custos controlados em cada intervenção de construção nova ou de reabilitação. A implementação do fundo municipal de reabilitação com receitas próprias para uma intervenção de reabilitação coordenada e planeada pela CML.

Medina recusa aceitar que a sua estratégia está a transformar drasticamente a cidade e que a barcelonização está ao virar da esquina. O projeto de salvaguarda das lojas históricas é meritório, mas vem tarde e é insuficiente. Já muitas das lojas de referência do comércio tradicional da Baixa e bairros históricos foram obrigadas a fechar portas. A pressão imobiliária do turismo é arrasadora e expande-se porque tem na CML um parceiro privilegiado. O presidente da CML condena a cidade a ser um cenário de selfie. Medina queixa-se do donut que herdou mas, no final do seu mandato, terá conseguido um bolo-rei.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro civil.
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