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Padre Max: servir o povo e não se servir dele

A aprovação da Constituição da República Portuguesa, a 2 de Abril de 1976, ficou marcada por um crime inominável: o assassinato, à bomba, do Padre Max, como era conhecido o padre Maximino Barbosa de Sousa e da estudante Maria de Lurdes Correia.

Max e Maria de Lurdes representavam o que de mais genuíno o movimento popular revolucionário produziu no seguimento do 25 de Abril: o empenhamento solidário, a entrega generosa, a visão de futuro, a alegria do combate político pela mais nobre das causas: a transformação da vida através da própria participação do povo na construção de um mundo novo, a construção de democracia na luta contra a exploração e o domínio do obscurantismo imposto pelo regime fascista acabado de derrubar.

Naquela noite de 2 de Abril, Max e Maria de Lurdes regressavam ao velho Simca de Max depois de uma acção de alfabetização na Freguesia de Cumieira no Concelho de Vila Real, quando uma bomba, accionada à distância, explodiu matando de imediato Maria de Lurdes e deixando gravemente ferido o Padre Max que viria a falecer no hospital nessa madrugada.

“Colocaram-me uma bomba no carro e agora está a arder, mas não faz mal. É esta a democracia portuguesa” terá dito quando lhe perguntaram o que acontecera. Tanto Max como Maria de Lurdes, de 19 anos, que fora sua aluna, tinham consciência que a sua actividade, quer cultural quer política, os transformara em alvos do podre mas mortal movimento reaccionário que percorria a região, apoiado nos sectores mais alarves da igreja e na cumplicidade discreta mas eficaz de autoridades locais e regionais e na inconfessada benevolência do poder central do novo Portugal Democrático.

Convém lembrar que o comando militar do norte (o democratão e também condecorado em nome da liberdade Brigadeiro Pires Veloso, cognominado Vice-Rei do Norte e seu Estado-Maior) fizera duas tentativas, comprovadas e recortadas, mas felizmente falhadas, de liquidar militares presos políticos em Custóias pelo 25 de Novembro.

O “Movimento Democrático para a Libertação de Portugal” (MDLP) sob o comando político de Spínola (desertor desde a sua tentativa de golpe no 11 de Março de 1975) e operacional de Alpoim Calvão mais o ELP (Exército de Libertação de Portugal) tinham posto o norte do país a ferro e fogo com atentados bombistas, assaltos a sedes de partidos de esquerda e assassinato de democratas.

É neste contexto que Max e Lurdes assumiam a sua missão - era assim que a entendiam - com abnegada audácia e calma coragem, enfrentando ameaças veladas e mesmo públicas. Max tinha 32 anos e costumava dizer que não chegaria à idade de Jesus.

A preparação do “25 de Novembro” contou com o clima criado pelos crimes daquelas organizações fascistas e é um facto o conluio subterrâneo, mas assumido sem grande relutância, da aliança política donde emergiu o Centrão, que até há sete meses constituiu “o arco da governação”, com os facínoras e terroristas no terreno sob orientação de Alpoim Calvão e do Cónego Melo. Não é, pois, de admirar que Spínola tenha sido feito marechal e Alpoim Calvão tenha sido condecorado com a medalha de comportamento exemplar em 2010. Ao cónego, a Câmara Municipal de Braga ergueu uma estátua.

O Padre Max, no II Congresso da UDP em Março de 1976, fizera um discurso aceitando ser candidato independente pela UDP às eleições legislativas que iam realizar-se no dia 25 de Abril seguinte, dizendo que “se um elefante incomoda muita gente, um padre na UDP incomoda muito mais”. Viu-se.

A investigação foi propositadamente morosa, a recolha de elementos de prova no local do crime só começou dias depois, o comandante da polícia do Porto, major Mota Freitas, membro do MDLP, sabe porquê. Um dos inspectores da Polícia Judiciária que tomara conta do caso morreu num oportuno acidente. Ou seja o carreamento de provas materiais ficou drasticamente comprometido.

O julgamento com arquivamentos e vários percalços pelo caminho só terminou em 1999 e chegou-se a uma sessão final apenas porque Mário Brochado Coelho, advogado de acusação, não desistiu apesar de todas as dificuldades que lhe foram sendo semeadas pelo caminho. Foi graças à sua perseverança, empenho profissional e consciência democrática anti-fascista que se chegou a uma sessão final do julgamento, infelizmente com os réus a serem absolvidos por falta de provas mas com o tribunal a assumir que a responsabilidade do crime devia ser imputada ao MDLP.

De sublinhar as declarações do Comandante Serradas Duarte, director dos serviços de informação militares (DINFO) na sessão final do julgamento (a que assisti) à pergunta de Mário Brochado Coelho por que motivo a DINFO, tendo sido criada poucos meses antes do crime para poder investigar os movimentos terroristas e seus crimes, não se empenhou a fundo na investigação do assassinato de Max e Maria de Lurdes. Mário Brochado deu-lhe a dica: ordens superiores!? O silêncio da testemunha confirmou.

O crime hediondo ficou impune. Não foi surpresa. Toda a dinâmica assente em cumplicidades espúrias, ou nem tanto, a permissividade do poder saído do 25 de Abril para com os seus inimigos, a complacência com os os pides e fascistas, a liberdade de acção dada aos terroristas do ELP e MDLP e o apreço demonstrado pelos seus chefes, destinou-se a travar a força do movimento popular democrático e revolucionário que emergiu do 25 de Abril.

Ao contrário de Spínola, Alpoim Calvão e Cónego Melo o Padre Max e Maria de Lurdes não foram, não podiam ser, figuras reconhecidas pelo regime.

Mas ficaram para sempre no coração dos democratas e revolucionários que lutam por um Portugal construído pelos trabalhadores, pela cidadania activa, crítica e livre, afirmando-se soberano porque o seu povo o impõe.

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Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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