You are here
A esperança renascida 40 anos depois
Paradoxal porquê? Porque as forças que hoje se articulam numa alternativa sustentada à austeridade, se tinham combatido vigorosamente numa disputa que acabou por ditar a vitória do pensamento único imposto pelos interesses globais da finança sem freio, donde decorreu quer o enfraquecimento da democracia quer a submersão da soberania popular pela instalação paulatina, primeiro, brutal depois, da norma global da especulação financeira.
A inteligência política dos actuais intérpretes e representantes da vontade democrática da cidadania, apoiada na Constituição de Abril como projecto político estruturante da República portuguesa, lançou bases sólidas de uma alternativa à captura dos direitos democráticos, políticos, sociais e económicos da sociedade que, com especial violência nos últimos quatro anos, foi sendo levada a cabo pelos “donos disto tudo” e seus delegados políticos e jurídicos, moderados ou radicais.
Nas esquerdas construídas sobre o irredutível combate à direita e ao neoliberalismo, a vitória da política sobre a ideologia - ou seja a falsa consciência da realidade - a que os porta-vozes dos derrotados em 4 de Outubro chamam “perda de referências”, abriu as portas a esta aliança que permite, pela primeira vez depois do 25 de Novembro, enfrentar com um mínimo de coerência e firmeza os poderes brutais e autoritários – estimulantes do fascismo e da xenofobia - que se foram consolidando na Europa através de sucessivos tratados de alienação de direitos acordados pela classes dirigentes dos países europeus.
Desde o início estas esquerdas que permitem agora ao PS governar em confronto aberto com a direita com que sempre se articulou desde o 25 de Abril, denunciaram que a União Europeia, construída sob o comando das forças políticas dominantes, se traduziria a prazo no estabelecimento das regras necessárias ao domínio absoluto da finança sobre a economia e contra a democracia, logo contra os interesses dos povos europeus.
Essas regras, rodeadas de pompa e circunstância na sua propaganda, não passam de processos de imposição autoritária, conforme as circunstâncias, e ao ritmo necessário, para assegurar a transferência crescente e normalizada dos rendimentos do trabalho para o capital, contribuindo para o abismo que separa, a nível mundial e também europeu, os 99%” dos 1%.
Contudo, a crise económica e social – e agora também política - provocada pelo arbítrio e anarquia do funcionamento das instituições financeiras, enfraqueceu a sua capacidade de domínio ideológico em primeiro lugar e político logo depois, criando condições para a disrupção do processo encetado com a proclamação neoliberal de que o mercado é a essência e a garantia do funcionamento democrático das sociedades.
Aquilo que parecia credível, promissor e inabalável revela-se, cada vez com mais clareza, promíscuo, corrupto e obsceno: a União Europeia proclamada como a consolidação das opções democráticas e garantia de bem-estar para os seus cidadãos e cidadãs; anunciada como campeã de valores conquistados ao longo de séculos de história e progresso humano; referência para o mundo e porto de abrigo e refúgio para os humilhados, ofendidos e perseguidos, mostra a sua abjecta face actual, talhada pelo escopro e martelo dos brutais interesses da finança e da guerra, fundidos política e ideologicamente na estratégia imperialista.
As lutas dos povos europeus contra os efeitos da crise capitalista, com altos e baixos, naturalmente, têm vindo a obrigar à reconfiguração do espectro político, pondo em causa o emergente totalitarismo das opções europeias e nacionais em consonância.
A evidência gritante desta ameaça vinda donde muitos criam encontrar esperança, e a revolta já mais que latente da cidadania europeia, assim como as vicissitudes do processo político e eleitoral nacional marcado pela constituição de uma maioria parlamentar anti-austeritária que desalojou a maioria deletéria do Paf, obrigou os social-democratas do PS a uma reflexão... social-democrata!
E, para muitos a contra-gosto, levou-os a entenderem que as próprias raízes da social-democracia lhes exigem uma resposta de enfrentamento e não de subserviência relativamente à menina dos seus olhos, a União Europeia.
E a reconhecerem que isso só poderia ser feito, imagine-se!, com os que sempre foram acusados de radicalismo protestante e inconsequente, os partidos à sua esquerda.
Assim se anunciou ao povo e ao mundo que se derrubava mais um muro em Portugal e, por uma vez mais, que há lições a tirar pela esquerda europeia. E são três, pelo menos: do 25 de Abril e a luta popular radical para impor a democracia; da formação do Bloco de Esquerda dando um primeiro e entusiasmante sinal da superação das divergências ideológicas (falsas consciências da realidade…) pela construção da unidade política na diversidade de abordagens; e agora este salto para um encontro que, de improvável , virou resultado da consciência da necessidade!
Neste dealbar português de uma nova alvorada com repercussão europeia, ainda assim carregada de nuvens ameaçadoras, as forças progressistas que sustentam o governo de António Costa esforçam-se por criar condições de amplo apoio popular para aprofundar a consistência das respostas alternativas e seu desenvolvimento, num processo que exige integrar-se num âmbito mais alargado de confronto contra o domínio da irresponsabilidade, da prepotência e da ideologia dominante.
Maus auspícios para quem o 25 de Abril popular, promotor da democracia e da equidade, nunca passou de uma contrariedade a superar pela mascarada em que já só se revêem apenas os donos disto tudo e seus lacaios – termo caído prematuramente em desuso.
Boas novas para a esmagadora maioria daqueles que, com o seu trabalho e a sua luta, mantêm a esperança acordada pelo 25 de Abril que já ia ficando tão distante.
Add new comment