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Comprimido de cianeto coberto de açúcar

Foi como a Amnistia Internacional qualificou o acordo entre a União Europeia e a Turquia para a "proteção de refugiados".

O negócio é conhecido: a Turquia vai servir de tampão, impedindo a passagem de novos refugiados da guerra síria e vítimas do Daesh. Vai também receber todos os refugiados que consigam entrar na UE através da Grécia e que serão deportados, caso não tenham a sua situação regularizada. Uma vez que são milhões, e que todos são irregulares até que, um a um, as autoridades digam o contrário, sabemos bem o que significa o acordo. Em troca do trabalhinho, a Turquia receberá 6 mil milhões de euros, pagos por todos os países membros, e novas garantias de se juntar ao maravilhoso mundo da União. Mais que isso, Erdogan recebe o reconhecimento internacional que legitima o seu regime violento, militarista e mais do que duvidoso do ponto de vista do respeito pelos direitos humanos.

O que é que acontecerá depois aos homens, mulheres e crianças, presos em campos turcos? Ninguém sabe. Pode não acontecer nada, e ali ficarão, até que a memória da sua existência se apague. Poderão ser deportados para o país de origem, o que teria traços de puro sadismo, mas também já pouco nos surpreende. Uma coisa sabemos: o fluxo de chegada não vai estancar, porque a guerra continua, e sem uma resposta europeia, a vida destas pessoas correrá cada vez mais perigo.

A UE, que recebeu o Nobel da Paz em 2012, lavou as suas mãos e pagou à Turquia para tratar dos refugiados. O homem escolhido para o serviço, Erdogan, é o mesmo que tem perseguido e oprimido o povo curdo, que hoje constitui a principal força de combate às forças do Daesh em território sírio. Ao mesmo tempo que permite o contrabando que alimenta financeiramente as forças extremistas do Daesh, a Turquia limita o avanço das forças curdas, embarga e bombardeia os seus territórios.

Da Amnistia às ONG locais, são várias as acusações ao regime de Erdogan por violações dos direitos humanos. Basta, para isso, ler o relatório que a própria Comissão Europeia produziu no final do ano passado sobre a Turquia, em que apontava falhas graves ao nível da liberdade de expressão, da garantia dos direitos das mulheres e homossexuais, ou das sérias violações dos direitos humanos na retaliação às "ameaças" curdas.

Em suma, a UE não quer a "proteção" dos refugiados. Quer proteger-se e aos equilíbrios podres que a mantêm. Vergonhosamente, não há quem proteja os refugiados da guerra, da Turquia e mesmo desta União Europeia.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 22 de março de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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