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Democracia soberana

A forma leviana como alguns funcionários da União Europeia ousam opinar sobre as resoluções democráticas do povo português diz bem do pouco que a democracia vale para eles.

Longe vão os tempos em que no Tratado de Roma, os fundadores da União Europeia, então CEE, lançaram a primeira pedra para o que viria a ser a União. Acordaram que as relações entre os estados constituintes deviam ser entre iguais, sem preponderâncias nem hegemonias. Previam ainda a prevalência da política sobre a economia e que as decisões mais importantes deviam ser tomadas por consenso de forma democrática. Por outro lado, a União deveria ser solidária e procurar criar condições para harmonizar a qualidade de vida de todos os cidadãos, ultrapassando as fronteiras e as barreiras entre os diversos países.

Infelizmente ao longo dos anos, com a aprovação das diferentes adendas nos tratados sequentes, todas estas boas intenções foram sendo esquecidas e o poder ficou nas mãos de um grupo de eurocratas, não eleitos, completamente submissos ao poder financeiro e aos sacrossantos mercados.

A União Europeia não pode ser um conjunto de países que renunciam às suas identidades, que esquecem a solidariedade, em que os países mais ricos exercem hegemonia sobre os menos ricos, que constroem muros para impedir a livre circulação e em que o exercício da democracia pelos cidadãos está dependente da aprovação dos eurocratas.

Qualquer país como Portugal, o mais antigo com fronteiras demarcadas de toda a Europa, não pode ser tratado pela burocracia europeia como um protetorado, sob a desculpa de que temos um dívida pública elevada e que o nosso défice é acima de um limite imposto com normas pouco claras.

É altura de dizer basta!

Durante os quatro anos da governação PSD/CDS a falta de respeito pelo nosso país foi acompanhada por uma completa subserviência por parte do governo.

Não há qualquer desculpa para as intromissões inadmissíveis por parte dos funcionários não eleitos da União, nas soluções democráticas que os portugueses tentam ensaiar. As ameaças por parte da comissão europeia põem em causa a soberania e a democracia em Portugal.

Não há que confundir soberania política com nacionalismos mais ou menos bolorentos, assentes em preconceitos, como defendem habitualmente as forças da direita. Mesmo o internacionalismo pressupõe uma convivência sã e igualitária entre os diferentes países e é nesses parâmetros que nos revemos.

Continuamos a defender uma Europa dos povos, em que os diferentes países sejam encarados como iguais, independentemente da sua riqueza, mas em consonância com uma vivência democrática, sem sofismas. É pela aceitação dos direitos humanos e pela defesa dos direitos democráticos que devem ser reconhecidos os membros da União Europeia e não por razões meramente conjunturais ou de interesses mais ou menos obscuros.

No nosso país há quem, apesar de usar bandeirinhas nacionais na lapela, ponha acima dos interesses dos portugueses outros valores, de grupo de interesses ou de filiação ideológica, chegando até às queixinhas junto da Comissão Europeia, com vista a prejudicar a possibilidade de um governo legitimamente formado poder levar à prática uma experiência que abre a democracia portuguesa a novas fórmulas e que alarga a participação a mais cidadãos, procurando travar o ciclo de empobrecimento da sociedade portuguesa e iniciar a recuperação de rendimentos perdidos. São os primeiros passos de um caminho novo de esperança, mostrando que em democracia, contra o que nos foi sendo dito, há sempre alternativas.

Muitos portugueses mostraram que já não acreditam na inevitabilidade e que não se resignam a continuarem a ser espoliados pelos mercados, sem reagir. A votação que afastou a direita do governo foi uma indicação de que alguma coisa pode mudar. Foi esse o receio que assaltou os neoliberais eurocratas. Se esta desobediência alastra aos outros países com dificuldades financeiras, pode acabar com o medo em relação aos mercados e à banca internacional.

É em nome de um de um povo que quer decidir democraticamente o seu futuro e de um estado soberano que vale a pena continuar a lutar.

Cada vez mais se exigem políticas mais transparentes, combate a gastos supérfluos, racionalização de gastos, luta contra a corrupção, políticas inclusivas para todos os cidadãos e uma intransigente defesa dos mais desfavorecidos. Portanto mais e mais democracia soberana.

Sobre o/a autor(a)

Reformado. Ativista do Bloco de Esquerda em Matosinhos. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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