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Direito de viver ou dever de sofrer, desmontando argumentos
A primeira grande oposição é o direito inviolável da vida de toda e qualquer pessoa, a segunda é sobre a suposta transformação da vontade de morrer de uma pessoa em direito de matar pela parte do médico, e por último o argumento da compaixão. Mas investiguemos o que realmente significam.
O primeiro argumento diz-nos que sendo a vida um direito que ninguém pode violar, ninguém pode pedir ajuda para morrer, logo é vedada a opção de um médico ajudar uma pessoa a morrer. Que a vida é um direito inviolável todos nós concordamos, mas neste argumento o problema é outro. O problema provém do conceito de direito, o qual está a ser confundido com o conceito de dever. Afinal um direito é algo que a pessoa pode usufruir, por exemplo, o direito de constituir uma família, de ter tratamento médico ou de votar num partido. A palavra chave é usufruir, afinal se é inegável o direito da pessoa, querendo, pode constituir família, mas em nenhum caso é obrigada a fazê-lo, nada nem ninguém pode, eticamente e de acordo com a dignidade humana, obrigar outra pessoa a casar e ter filhos. Da mesma forma que não pode obrigar uma pessoa a sofrer procedimentos médicos que não deseja ou a votar num partido. Compreende à dignidade de cada pessoa fazer a escolha dos direitos de que decide usufruir ou não. Mas o argumento apresentado diz o contrário, que não, não cabe à pessoa escolher se quer usufruir do direito da vida ou não, logo, isto não é um direito, mas sim um dever.
A questão é então saber, um dever perante quem? Perante Deus? Certamente não podemos admitir essa resposta que impõe uma religião à custa da vontade e sofrimento alheio. Perante a sociedade? Que tipo de sociedade, especialmente se baseada na dignidade e liberdade humana, pode impor tal coisa a uma pessoa? Porque realmente é disto que se trata, de a sociedade achar que alguém, a quem a ciência não pode dar esperança de uma vida (quanto mais digna e sem sofrimento), deve sofrer até ao fim dos seus dias. Mas o que justifica esse dever, de tal forma inviolável, de sofrer até morrer? Não se justifica, não se pede a alguém que sofra até morrer em nome da sociedade.
A segunda linha da defesa, consiste em admitir que a pessoa podendo escolher não usufruir do seu direito a vida, só pode abdicar dele se conseguir fazê-lo pelos próprios meios, recorrendo unicamente ao próprio corpo. Caso contrário e se alguém ajudar o doente a alcançar o seu objetivo, isso torna-se no direito de o ajudante matar alguém, violando assim o direito à vida (de que o doente abdicou). Existem aqui dois problemas a apontar, primeiro a clara discriminação entre quem têm as capacidades necessárias (capacidades motoras) e quem não tem. Os primeiros podem escolher sobre o seu direito a estarem vivos, os segundos não podem escolher morrer e estão condenados a sofrer. Segundo, isto implica que, se a pessoa não poder executar o seu desejo de deixar de usufruir da vida e necessitar da assistência de um médico, a sua escolha deixa de ser sua e passa a ser o direito de matar do médico. Isto é o mesmo que dizer que alguém, perdendo as mãos num acidente, quando for votar com um acompanhante (tal como previsto na lei) o voto que indica ao acompanhante não é seu, mas sim do acompanhante, afinal é deste o ato físico de pôr a cruzinha. Ou melhor ainda, não podendo levar a comida à boca e alimentar-se, por não ter mãos, quando alguém o ajuda a comer, não é o seu desejo de se alimentar que está em ação, mas sim o desejo de quem lhe dá a comida. Se isto parece absurdo é porque é. Tal como é um absurdo que um médico, esteja a matar uma pessoa que escolhe a eutanásia. Este é apenas o meio para o objetivo que o paciente pretende, nunca o próprio objetivo.
Por fim o argumento da compaixão, ou seja, de que é dever do médico e da sociedade acompanhar o doente na sua dor e agonia, ajudando-o a superar ou suportar a mesma. No mínimo isto é bastante tendencioso. Primeiro porque se centra na escolha da mesma sociedade que impõe o dever de sofrer, afinal a compaixão parte sempre, não de quem sente a dor, mas sim de quem a vê, sobrepondo o direito do quem tem compaixão sobre o direito de quem sofre. E por fim, porque esta compaixão apenas se debruça sobre uma parte do doente, aquela que sofre, e não sobre o doente no seu todo que escolhe. Aliás sobre o todo que muitas vezes pede misericordiosa e compaixão para se ter uma morte digna.
Comments
Estou a comentar um texto de
Estou a comentar um texto de um crente. Um crente na ciência. Que ciência é essa que você menciona quando escreve "a quem a ciencia não pode dar esperança de vida"?! É uma organização. Uma igreja. Que inclui e exclui. Que dita e proíbe. Obviamente você se refere a um ramo dela. O ramo conexo com o complexo médico farmacêutico. (Um dos instrumentos da NOM. O Império. Você também é fiel ao Império.)
Como se pode falar assim na ciência como você faz?! Já pensou nisso?!
Talvez haja um direito a morrer dentro da crença e em conformidade com ela. E tudo isto não passe de um debate entre religiões.
Quando o alertam para o facto dos diagnósticos médicos - designadamente de doença terminal - não ser fiáveis... o alerta entra-lhe a passo por um ouvido e sai a correr por outro. Não é conforme a sua crença.
Se lhe dizem que há doentes (declarados) terminais que se curaram você não vai acreditar. Se acreditar, vai minimizar. É um desgaste para quem insiste.
Um tetraplégico também se pode suicidar. Basta recusar comida ou bebida. Se não estiver a ser alimentado e hidratado artificialmente...
Não, um tetraplégico não
Não, um tetraplégico não pode se suicidar recusando alimentação e água, se assim ele desejar, pois desta forma vai chegar a um ponto em que obrigará qualquer pessoa próxima socorrê-lo devido ao seu estado de saúde debilitado (desidratação/desnutrição), e quem não fizer pode responder por omissão de socorro. Ao chegar no hospital vai ser alimentado e hidratado ou por tubos direto no estômago.
Sou totalmente a favor da eutanásia ativa e do suicídio assistido. E não apenas para pacientes terminais, mas qualquer pessoa (com algumas restrições) que achar que não tem mais qualidade de vida e que não vale a pena mais viver, como por exemplo o tetraplégico citado, quem perde visão, amputados, pessoas com doenças crônicas degenerativas, moradores de rua, depressivos crônicos, etc... Enfim, qualquer pessoa convicta de seu desejo de morrer.
Isso deveria ser o direito de cada um decidir o melhor para sua vida e sua morte. Isto não fere os direitos de outras pessoas
Aí você pensa: "Mas uma pessoa em coma ou em estado vegetativo não pode manifestar sua vontade". Certo, mas se tivéssemos esse direito, qualquer pessoa poderia deixar registrado por escrito suas vontades, antes de acontecer algo que a deixe nesta situação
Sou a favor da vida, a favor do direito de viver, mas não da obrigação de viver. Muitos morrem, querendo viver, por falta de órgãos para transplante, então se um dia eu quiser morrer não seria mais justo disponibilizar meus órgãos para doar a quem realmente quer viver?
Se alguém acha que só Deus pode tirar uma vida, se alguém não acha certo por convicção religioss, que não se submeta à eutanásia, que não opte por antecipar a sua morte. Pode até tentar convencer outras pessoas a também não se submeterem a isso, tentar convencer mas não tentar influenciar nas leis e tirar esses direitos de todos. Pra mim essa afirmação que só Deus determina a hora da nossa morte não faz sentido nenhum. Respeito quem pensa assim, desde que não queira impor essa condição a quem pensa diferente.
E para os familiares também seria menos doloroso e traumático se o paciente pudesse passar seus últimos dias em casa, no conforto do lar, ao lado das pessoas que gosta, comendo e bebendo o que gosta, aproveitando seus últimos dias sem tanta angústia, e depois morrer de uma forma tranquila, indolor e pacífica
Muito menos traumático do que ficar pensando no quanto a pessoa sofreu com dores físicas, com tormentos psíquicos, naquele ambiente hospitalar deprimente, ou preso no próprio corpo, antes de morrer.
Muita gente cita exemplos isolados de pessoas que se curaram ou viveram muito tempo mesmo após receber o diagnóstico de "pouco tempo de vida". Mas são exemplos isolados. Se os médicos não acreditam na cura mas a pessoa ainda tem uma esperança de um "milagre", ótimo, ela tem a opção de persistir no tratamento e continuar tentando. Mas se eu não faço questão, se eu não tenho a mesma motivação e o mesmo gosto pela vida, eu deveria ter a opção também de encerrar logo meu sofrimento.
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