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O que se passa no Brasil?
Sete factos curiosos
1. Nas manifestações do 2013, convocadas pelos jovens militantes do Movimento Passe Livre, que lutavam por transportes públicos, educação, emprego, democracia e transparência, os manifestantes foram violentamente reprimidos pela polícia militar, a mesma acusada de racismo e de crimes impunes nas favelas pobres. Esta quinta-feira, em Brasília, segundo a Folha de São Paulo, “os manifestantes saúdam os policiais militares, que retribuem os cumprimentos”. Dá para desconfiar.
2. Nas manifestações contra o governo, há cartazes que clamam por um golpe militar, pelo regresso da ditadura e pela “exterminação dos ratos vermelhos”. A rua é o lugar legítimo do conflito e da expressão de descontentamento. Mas num país que teve 21 anos de ditadura há não muito tempo, o que é que isto nos diz sobre a pulsão política por detrás destas movimentações?
3. Há dois dias, no Rio de Janeiro, houve uma manifestação dos professores e alunos em apoio à greve dos funcionários da educação, com milhares de pessoas. A Globo, que é atualmente a grande promotora das manifestações de rua, não deu sequer notícia. Estranho?
4. Pelo que se vê, nas marchas pela impugnação da Presidente eleita, só há brancos. Quer dizer, há alguns negros: por exemplo, as “babás” que tomam conta dos filhos dos patrões que se manifestam, como retratava uma fotografia que se tornou viral. Num país como o Brasil, o que é que isto revela sobre a composição e a natureza deste movimento?
5. O presidente da Câmara de Deputados, transformado em arauto anticorrupção que pretende que a impugnação de Dilma avance, é ele próprio arguido na operação Lava Jato e acusado de corrupção. Como referência moral e política dos dias que correm, não deixa de ser curioso.
6. O juiz Itagiba Preta Neto, que determinou a suspensão da posse de Lula como ministro, é apoiante público de Aécio Neves (o candidato da Direita nas últimas eleições) e partilha no Facebook selfies nas manifestações contra o governo e mensagens a dizer “ajude a derrubar a Dilma”. Quem é que falou num poder Judiciário independente?
7. O juiz que comanda a investigação do processo Lava Jato ordenou escutas à presidente, a Lula e aos advogados de defesa deste já depois de elas estarem suspensas, e fez seguir diretamente as escutas para a rede Globo, que as divulgou de imediato na televisão, poucas horas depois de terem sido feitas. Isto é um juiz ou um assessor político?
O que sobra se não houver democracia?
A corrupção é um crime gravíssimo. Investigar, julgar e prender os corruptos é essencial numa democracia que se respeite.
O PT foi uma das grandes esperanças do Brasil e dos movimentos populares na América Latina. Os primeiros mandatos de Lula trouxeram uma inédita distribuição de riqueza. Mas também foram uma enorme desilusão
O PT foi, durante muitos anos, uma das grandes esperanças do Brasil e dos movimentos populares na América Latina. Os primeiros mandatos de Lula trouxeram uma inédita distribuição de riqueza, com milhões de brasileiros a sair da pobreza e programas públicos que deram acesso à saúde, à educação e a um mínimo de dignidade a sectores sociais a quem ela fora sempre negada. Mas também foram uma enorme desilusão face às expectativas de transformação que suscitaram. As alianças com sectores retrógrados, as concessões a grandes poderes (latifundiários ou industriais), o envolvimento em relações promíscuas com o poder económico e em lógicas de corrupção que sempre estruturaram o poder do Estado, fizeram do PT um partido que, em muitas coisas, se tornou demasiado parecido com os outros e bem diferente daquilo com que sonharam muitos dos que, na década de 1980 e 1990, viram naquela organização a referência de uma política diferente. O escândalo do mensalão foi apenas um episódio grotesco desta história.
As mobilizações de rua de 2013 deram expressão a um descontentamento popular. Mas o que está a acontecer por estes dias parece ser de uma natureza inversa à desse movimento. Basta ver quem comanda as operações, a dinâmica de ressentimento e ódio social instalada pelos sectores conservadores e o banditismo dos seus métodos
Diante da crise atual, os governos de Dilma avançaram com o “ajuste fiscal” (por cá diríamos austeridade) e com a retirada de direitos. As mobilizações de rua que eclodiram em 2013 deram expressão a um descontentamento popular. Convocadas inicialmente por um movimento de jovens contra os aumentos no preço dos transportes, levaram à rua um precariado excluído económica e territorialmente e descontente com um sistema político minado pela corrupção e incapaz de responder às suas expectativas de uma vida melhor.
Mas o que está a acontecer por estes dias parece ser de uma natureza inversa à desse movimento. Basta ver quem comanda as operações, a dinâmica de ressentimento e ódio social instalada pelos sectores conservadores e o banditismo dos seus métodos. Como dizia um amigo, pior do que uma república de corruptos, só uma república de juízes arvorados em justiceiros politicamente orientados. É que no primeiro caso, a democracia pode defender-se, através da rua e do voto. No segundo caso, é a própria democracia que fica indefesa face à ação de forças que não são escrutináveis.
Tragicamente, parece ser isso que hoje se joga no Brasil. Sem democracia, não há regras e sem regras não há justiça. Sem democracia, o que sobra é sempre a arbitrariedade – e, portanto, a violência dos mais fortes.
Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 18 de março de 2016
Comments
Entao e a corrupcao do Lula,
Entao e a corrupcao do Lula, tb foi teoria da conspiracao ? O PT nao tem corruptos ? Um pouco mais de isencao.
A Lava Jato, a pretexto de
A Lava Jato, a pretexto de combater a corrupção no Brasil, está sendo utilizada como ferramenta política, apenas isso. Ocorrendo o impeachment e prisão do Lula, a mídia não terá mais tanto interesse em explorar o andamento da investigação, consequentemente ouviremos falar menos do juiz salvador. O restante dos envolvidos agradecerão aliviados. Day after: happy end? Acho que não.
As últimas eleições mostraram aos partidos oposicionistas o quanto Lula é forte, basta verificar as pesquisas de intenção voto. Dilma estava cambaleando para lá e para cá, sendo necessário, então, que Lula interviesse nos comícios, resultado: Dilma cresceu e ganhou as eleições. Gostando ou não, isso foi prova cabal do quanto Lula é muito forte. Tão forte que poderia ser candidato em 2018, o que assustou a oposição e seus financiadores.
Pois bem, a oposição inconformada, no dia seguinte às eleições, passou alegar fraude...não deu certo. Desistiram da ideia, porque em caso de nova eleição, a vitória de uma certa Marina poderia ser realidade. O PSDB e a Globo e as falidas revistas teriam que fazer o seu todo circo novamente. E assim, desde o fim das eleições estamos nessa crise política. Ninguém se importou com as consequências, o importante é destruir o nome forte que vem do PT, mesmo que para isso o Brasil tenha que ser destruído.
Por outro lado, uma reconstrução poderia gerar muito lucro, para alguns interessados. Pensando bem, as consequências foram bem medidas.
A estratégia então é fortalecer a Lava Jato, mais do que já estava, pois os vazamentos seletivos anteriores e nem as capas de revistas foram suficientes para impedir a vitória da Presidenta Dilma. Daí, o objetivo tornou-se fazer de Lula inelegível para 2018, desmoralizando-o por completo, e de quebra, destruir o PT. Como disse o Aécim outro dia “temos que varrer o PT”. Ninguém está preocupado com o Brasil.
Não interessa para a oposição se ele é inocente ou culpado, é preciso agarrar-se a qualquer coisa e dela fazer propaganda em forma de notícia, até que se torne uma verdade inquestionável. Não foram encontradas as ações da Friboi, então que serviam os pedalinhos mesmo, com toda cobertura jornalística merecida.
O PSDB precisa de limpar o caminho para 2018, e com ele vai o caroneiro típico: PMDB, com direito, quem sabe, a Temer como vice decorativo.
Acontece que combater a corrupção por um processo judiciário é apenas fazer justiça por amostragem. Maneira totalmente ineficaz. Dar o exemplo apenas, não basta, é preciso que os mecanismos que sustentam as engrenagens da corrupção sejam eliminados, e isso não se faz somente com o judiciário. Mas com reformas políticas principalmente. Alguém acredita que o congresso esteja muito interessado nisso? O judiciário é um ator importante no combate à corrupção, contudo seu papel principal é reativo e não preventivo. Diante disso, precisamos urgente, reformar nosso sistema político, ou alguém acredita que um deputado eleito irá representar interesse do eleitorado ou de quem o financiou? Isso não é democracia. Atualmente, o que vemos é que, ao contrário do que diz a Constituição, todo o poder emana daquele que detém o poder econômico. Nada mais. Sendo assim, não é um juiz herói nacional do combate à corrupção que vai melhorar este país. Heróis são personagens de imaginário infantil, pensem bem.
A Operação Mãos Limpas, fonte de inspiração do juiz herói, não resultou no fim da corrupção na Itália, aliás, apenas sofisticou o sistema de corrupção. Hoje a Itália é considerada um dos países mais corruptos da Europa. Na ocasião, alguns corruptos chegaram a ser presos e condenados, contudo, o sistema que permitia o funcionamento da corrupção continuou livremente, pois nenhuma medida preventiva foi adotada. Ademais, os esquemas de corrupção mudaram “para melhor”, aperfeiçoaram-se. A operação serviu de aprendizado de “como não ser pego da próxima vez”. E assim será a Lava Jato. Dentre tantos partidos temos apenas o PT? Claro que não, mas isso não é do interesse da Lava Jato. Basta olhar para o Congresso. O que temos lá? Muitos personagens em comum com as delações. Pior, muitos desses mesmos personagens figuram em outros esquemas de corrupção. Este mesmos personagens convocam a classe média para protestarem pelo impeachment. Por quem as panelas batem? Certamente não é pela falta da merenda, contra aeroportos particulares, desvio de bilhões da saúde, prisão política de jornalista, desvio de bilhões do banco público falido...
Mais uma consequência nefasta: outro herói nacional nascerá e ele irá salvar o Brasil da corrupção! Viva!. A operação “Mãos Limpas” preparou o terreno para o surgimento de Berlusconi, afinal representava um novo nome, limpo e messiânico . Sobre ele, é desnecessário qualquer comentário nesse momento.
A História nos mostra como Hitler surgiu na Alemanha e Mussolini na Itália. Grandes moralistas que iriam salvar suas respectivas pátrias de toda “sujeira” que ali estava. As pessoas gostam de discursos moralistas e salvacionistas (vejam as igrejas) e dessa lama toda, uma espécie bolsonariana pode emergir.
Muitos acreditam que no day after do impeachment, o Brasil estará lindo e maravilhoso, sem qualquer rastro de corrupção!!! Afinal não haveria mais PT, assim como era no principio dos tempos do Brasil: sem corrupção, praticamente uma filial da escandinávia nos trópicos. É muito inocência ou falta de caráter mesmo! Seremos governados por quem: Temer, Eduardo Cunha? Milicos? É como limpar a casa com água de esgoto. São eles os “arautos da honestidade e moral”? Onde está indignação? Está reservada apenas para o PT, Lula e Dilma, vamos nos indignar com qualquer coisa em quem pelo menos um dos três esteja. Afinal nosso ódio é bem seletivo.
A indignação seletiva é tanta que se incomodam pelo fato de Lula ser nomeado ministro, mas não há indignação para espécies de cunhas, aécios e ladrões de merenda. Saibam que a corrupção se alimenta da indignação seletiva, fique registrado.
Basta ver o congresso, dezenas de deputados e senadores foram beneficiados com doações das mesmas empresas que também doaram ao PT. As mesmas empresas investigadas na Lava Jato. Dinheiro para o PT vem da parte suja das empreiteiras, mas para PSDB, PMDB e companhia vem de onde? De rifa entre os filiados? Esses mesmos congressistas atuarão no processo de impeachment. Muito moralizador.
O cenário atual é muito parecido com aquele enfrentado por Vargas, Jango e JK. Muita manipulação midiática, ao ponto de jornalistas fazerem teledramaturgia durante o telejornal (seria prudente que da próxima vez que houver o vazamento de um grampo telefônico que ensaiassem melhor, pois o conteúdo será recebido em primeira mão, não há desculpas para uma encenação tão medíocre). Todos os dias amedrontam a população a respeito dos males que o PT causa ao país, e ao mesmo tempo dão esperanças de como a bolsa e dólar reagem bem a cada petista preso.
É sabido que, sob o signo do medo, as pessoas preferem perder suas liberdades a permitir que um suposto mal maior aconteça. É assim que o fascismo nasce. Metem medo nas pessoas a ponto de abrirem mão de seus direitos e liberdades. Rasgam a Constituição Federal. Hitler agiu desta maneira, Mussolini também. E logo chegaremos ao fim de nossa democracia, tão recente, tão jovem. Foi conquistada debaixo de luta e sofrimento, muitos pagaram com suas vidas, para que no futuro as pessoas concordassem com violação de direitos em nome do combate à corrupção. Um dia poderá ser o direito dela a ser violado, não haverá onde ou a quem reclamar.
Será que jogaremos nossa democracia no lixo por causa de um combate (seletivo) à corrupção? A corrupção deixará apenas de ser notícia, ela vai continuar mais forte e infeliz daquele que resolver mencionar falar algo a respeito.
Sem democracia não se combate a corrupção, sem democracia não há como ser contra ou favor de algo. Sem democracia, o silêncio prevalece para o bem da corrupção. Sem democracia nem a indignação seletiva possui voz.
Não ao golpe!
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