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Pobres de primeira e pobres de segunda

A pobreza é, sem dúvida, um problema socioeconómico complexo e, por ser complexo, é suscetível a análises simplórias, sempre tão dadas ao populismo e à demagogia.

Nos últimos anos, mais do que em todo a história da direita portuguesa (incluindo a regional), a estratégia de dividir o povo para conquistar votos tem dado jeito. Assim, muito recentemente, ficámos a saber que temos pobres de primeira e pobres de segunda na nossa Região, e por extensão, no nosso país.

A direita poderia, e com razão, acusar o Governo Regional de insensatez por não querer saber dos indicadores da pobreza na Região, quando parte do princípio que as suas políticas de combate à pobreza têm sucesso, naquela que é uma certeza com pouca ou nenhuma sustentação factual.

Para esta direita regional, que tão bem sabe mimetizar a sua congénere nacional nas artes de dividir os pobres, os apoios sociais têm servido para alimentar ‘malandros’ e para aumentar a despesa pública, porque estes pobres teimam em não deixar a pobreza.

Se por um lado, estes pobres não deixam de ser pobres, por outro lado, estes apoios sociais, no discurso populista, demagógico, mesquinho e falso, criaram uns pobres com rendimentos milionários (com direito a casa paga, carro e umas não sei quantas mordomias). É nesta total incongruência de ideias que surgem os pobres indignos.

Mas temos, para a direita, e de acordo com a sua superior sapiência, os novos pobres, constituídos pelos novos desempregados, incluindo antigos patrões que outrora criaram e mantiveram empregos e dinamizaram a economia.

Esta estratégia de dividir os pobres, entre os mais antigos e indignos e os mais recentes, valoráveis ex-empreendedores, serve para esconder a verdadeira responsabilidade política pelo aumento da pobreza. Uma política que torrou milhões de milhões na financeirização da economia, um modelo que estourou e criou desemprego e que serviu de pretexto para cortar salários.

O empresário que faliu, faliu porque os seus clientes ficaram desempregados, e aqueles que não caíram no desemprego, tiveram os seus rendimentos cortados. Tudo em nome de uma política de austeridade com o pretenso condão de disciplinar aqueles que eram estilos de vida não condizentes com os recursos das pessoas, mas que não foi mais do que uma justificação para salvaguardar os interesses da finança, em vez da vida dos pobres e daqueles que acabaram por se tornar pobres.

É esta direita que, agora, chora sob o leite derramado, ao constatar que a geração mais formada e qualificada de sempre do país não tem emprego ou o emprego que tem é mal pago e precário, é esta direita que se resignou e aconselhou esta geração a resignar-se e a emigrar, e não resistiu, mais uma vez, ao aproveitar o desespero daqueles que não emigraram, a dividir para conquistar, sempre que culpa e condena os jovens desempregados, alguns já com família constituída, pela perda de rendimentos dos mais velhos, por terem regressado a casa dos pais.

Quanto aos pobres de segunda, a direita cultiva, e ajuda a perpetuar, o preconceito do pobre que é pobre, porque é ‘malandro’ e nada faz para sair da pobreza, quando o que pretende é lutar contra os pobres, e não contra a pobreza, ao participar ativamente em autênticas campanhas de desinformação que transforma a despesa associada aos apoios sociais na principal fonte de despesismo do Estado. E esquece e oculta que, por exemplo, o RSI, de acordo com estudos nacionais sobre a pobreza, contribui para uma redução em cerca de 28% na intensidade da pobrezai. Por outras palavras, não cura a pobreza mas atenua a dores que a pobreza causa, pois a verdadeira cura encontra-se na redução do desemprego, no aumento dos salários, das pensões e do montante e período de vigência do subsídio de desemprego. Mas essa é uma receita que causa repulsa à direita que continua agarrada àquela que é, para si, a única alternativa possível, a austeridade.

Para a direita, os apoios sociais, com o RSI à cabeça, são um incentivo à malandrice, e faz de conta que 72% das famílias beneficiárias do RSI têm outros rendimentosii, mas tão reduzidos que precisam ser complementados, da mesma forma como o complemento solidário para idosos é um complemento essencial para as pensões mais baixas, e que foi, recentemente, restituído a quem havia sido retirado, pela direita.

Mas até quando confrontada com a elevada percentagem de beneficiários do RSI com outros rendimentos, a direita não hesita em culpá-los por contribuírem para a economia paralela, e vai daí, considera fundamental que estas pessoas tenham o seu sigilo bancário automaticamente levantado, mas simultaneamente resiste ao combate contra os offshores e glorifica os grandes empresários, amigos da nação, e os protege do levantamento do sigilo bancário, mesmo sabendo que colocam os seus proveitos financeiros em offshores.

E é com esta política, cheia de incoerências, populismo, demagogia e falsidades, que o PSD quer no seu próximo congresso afirmar a social-democracia, mas se calhar, não seria má ideia se começasse a procurá-la.


iSanches, A. (2008, outubro 19). RSI é eficaz na redução da intensidade da pobreza. O Público. Retirado de http://www.publico.pt/portugal/jornal/rsi-e-eficaz--na-reducao--da-inten...

iiGabinete de Estratégia e Planeamento – Equipa de Estudos e Políticas do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social. (2012). Sistema de Proteção Social de Cidadania – Subsistema de Solidariedade

Eventualidades: Insuficiência de recursos, Invalidez, Velhice e Morte. Retirado de http://www.gep.msess.gov.pt/estudos/subsistema2005_2012.pdf.

Sobre o/a autor(a)

Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Membro do Bloco de Esquerda Açores. Licenciado em Psicologia Social e das Organizações
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