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Eutanásia: a discussão que descentralizou o problema

Morte assistida é o mote de uma ideia plural que se deve desmaterializar da sociedade do preconceito em que hoje vivemos.

A conversa sobre a eutanásia permanece como um assunto do dia. Já nem sei se por necessidade de discussão, se por alternativa de continuar a encabular esta ideia de formalizar a eutanásia, despenalizando a decisão dos utentes de se auto-determinarem sobre o assunto.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros teve o “azar” de expressar a sua ideia, segundo a qual, de maneira mais formalizada ou menos formalizada, já se pratica a eutanásia. E parece que meio mundo quis “penalizar” uma entrevista, desviando o foco da discussão. E em vez de se deliberar e ponderar uma mudança de paradigma, permitindo a legalização da eutanásia, discute-se e dá-se “chama” a uma mera entrevista desafortunada.

A bastonária declarou, em entrevista à Renascença, que a eutanásia “já é de alguma forma praticada” nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde”. É óbvio que estas declarações fizeram mossa, principalmente, porque admitem que médicos do SNS “sugerem” por vezes a administração de insulina em elevada dose, levando ao coma insulínico, ou a doses excessivas de morfina, que não são mais do que uma eutanásia passiva.

Isto só trouxe alarmismo, porque o bastonário da Ordem dos Médicos considerou “gravíssimas” as declarações que a bastonária fez, pois alega que existem médicos que agem contra o seu dever e código deontológico.

Na realidade, a mim parece-me que, mais uma vez, este usou uma entrevista, até muito aprazível, e que calha na altura certa, para demarcar e centrar a sua posição. Sabemos que grande parte dos órgãos da Ordem dos Médicos consideram-se opositores desta “despenalização” e legalização da eutanásia. Sabemos que estes encaram aquela prática como algo que vai contra a sua deontologia profissional, pois consideram mais uma vez que a promoção da distanásia é o ideal, pois proletariza a ideia de “cuidados de saúde em todas as etapas de vida”, esquecendo que também defendem outra coisa que é a “liberdade e consentimento do doente”, que depois não se traduz no verdadeiro conceito de livre arbítrio e decisão do utente sobre o seu processo de saúde/doença.

É compreensível que a Ordem dos Médicos seja contra a Eutanásia. Uma coisa é marcarem a sua posição, outra é fazerem “show-off” com declarações que, por mais que não tenham sido brilhantes, são representativas daquilo que acontece, quer isso seja aceite, quer queiramos continuar a “camuflar” a realidade, para não amachucar suscetibilidades.

Devo concordar que a forma como a bastonária abordou a eutanásia também não foi a mais adequada, dando indícios de pactuação de forma passiva com o “crime” que ainda é a eutanásia. Contudo, também deturparam o contexto, pois a bastonária afirmou que alguns “médicos sugerem”, o que não significa que o tenham levado ao cabo. A infelicidade da frase demonstrou que na sociedade ainda existe o preconceito pré-formado sobre a eutanásia.

Mais uma vez, descentralizamos do nosso eixo de ação. A Petição Pública já tem 7.225 pessoas o que demonstra que existe sustentação de base na sociedade para que a eutanásia seja legalizada. Morte assistida é o mote de uma ideia plural que se deve desmaterializar da sociedade do preconceito em que hoje vivemos.

Artigo publicado em p3.publico.pt a 3 de março de 2016

Sobre o/a autor(a)

Estudante de Enfermagem na Escola Superior de Saúde do Politécnico de Setúbal
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