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Nos 120 anos da proibição do anarquismo, de novo o debate em torno do “Estado de Excepção”

A lei de 13 de Fevereiro de 1896 não se limitava a proibir e perseguir o anarquismo. Esta questão tem grande actualidade. Em tempos em que o “Estado de Excepção”, enquanto mecanismo de supressão de liberdades individuais em nome da segurança pública ganha novo fôlego.

I - Completam-se 120 anos da Lei de 13 de Fevereiro de 1896, sancionada por D. Carlos e proposta e defendida por João Franco, então Ministro do Reino e posteriormente Presidente do Ministério, actuando até a coberto de uma ditadura sancionada por D. Carlos, entre 1907 e 1908.

Portugal vivia agitado em finais do Século XIX, inícios do Século XX, com um regime político que evidenciava a sua eminente falência, desprestigiado interna e externamente, com um rotativismo partidário assente na fraude eleitoral, em que o Governo era nomeado antes das eleições, manipulando os resultados de acordo com as suas conveniências e uma profunda crise económica e financeira.

Pouco antes, e na sequência do Ultimatum de 1890, ocorrera a Revolta do 31 de Janeiro de 1891, no Porto, que tentava o derrube do regime e a implantação da República.

De igual forma, um pouco por toda a Europa se viviam momentos de tensão, fervilhando grupos de anarquistas, com amplo debate e, por vezes, acção violenta. Um conjunto de atentados, habitualmente visando magnicídios, sucederam-se ao longo dos finais do Século XIX e dos primeiros anos do Século XX.

Em Portugal, com excepção do 31 de Janeiro, de origem eminentemente militar, nenhum acontecimento de relevo havia acontecido que motivasse especiais preocupações de segurança, sendo o movimento anarquista muito débil e sem grande divulgação (veja-se, a título de referência, a publicação de Luís Bigotte Chorão “Para uma história da repressão do anarquismo em Portugal no Século XIX”, recentemente dada à estampa pela editora Letra Livre).

II - O Governo de Hintze Ribeiro, integrando João Franco, e com este a capitanear a iniciativa, tratou de fazer aprovar a Lei de 13 de Fevereiro de 1896, a exemplo do que se vinha fazendo pela Europa, visando:

  1. Punir criminalmente aquele que publicamente (artigo 1.º), ou não (artigo 2.º), “defender, aplaudir, aconselhar ou provocar, embora a provocação não surta efeito, actos subversivos quer da existência da ordem social, quer da segurança das pessoas ou da propriedade, e bem assim que professar doutrinas de anarquismo conducentes à prática desses actos”, e isto se crime mais gravoso não resultasse dessa actividade (§ Único do artigo 1.º). A pena era de prisão e, uma vez cumprida, o condenado era desterrado para o Ultramar, apenas podendo voltar por decisão do Governo;
  2. O julgamento por esses crimes era feito em processo ordinário de querela (o que hoje chamamos tribunal colectivo), mas sem intervenção de júri, ao contrário do que era regra e entendido como garantia dos arguidos (artigo 3.º);
  3. Admissibilidade de prisão sem culpa formada e sem fiança até decisão definitiva (artigo 3.º, § Único);
  4. Proibição à imprensa de publicar notícias relacionadas com processos por “anarquismo”, com a cominação de apreensão das publicações e suspensão dos jornais (artigo 4.º);
  5. Aplicação retroactiva desta lei (artigo 5.º).

Um traço claro desta lei é que a mesma não se limitava a proibir e perseguir o anarquismo. Ela visava toda e qualquer oposição ao regime, indo ao ponto de punir a mera opinião política. A cavalo dos anarquistas, atacavam-se os verdadeiros democratas, os republicanos, os socialistas e os marxistas, entre outros.

Por aqui se vê a Democracia praticada na Monarquia Constitucional, que alguns ainda proclamam bom modelo, lembrando D. Carlos, Rei que não se limitou a promulgar este diploma como, pior ainda, veio a assumir em 1907, por sua livre decisão, um Governo Ditatorial liderado por este mesmo João Franco, e que endureceu estas medidas com o Decreto de 21 de Novembro de 1907 e com o Decreto de 31 de Janeiro de 1908, sempre com a assinatura de D. Carlos.

Agora, com o Decreto de 31 de Janeiro de 1908 (ironicamente publicado no dia do regicídio), o Governo estava livre para deportar para as então designadas colónias ou expulsar do País, sem julgamento prévio, os acusados destes crimes (artigo 1.º) e eliminando quanto à prática destes crimes a imunidade parlamentar (artigo 2.º).

Resulta inequívoco, que a galope do combate e da ilegalização do “anarquismo”, sempre se visou diminuir a Democracia e as Liberdades Individuais. Talvez por isso um acto tão abominável como o magnicídio de que foi vítima D. Carlos, tenha encontrado tanto respaldo social, a ponto de passados dois anos ter mudado o regime.

III – Esta questão tem grande actualidade. Em tempos em que o “Estado de Excepção”, enquanto mecanismo de supressão de liberdades individuais em nome da segurança pública ganha novo fôlego.

Refiro-me a episódios passados, como o “Patriot Act” nos Estados Unidos, na sequência dos atentados de 11 de Setembro ou ao mais actual debate em França em torno do robustecimento do “Estado de Excepção”, por via da Revisão Constitucional em curso em França, prevendo o alargamento dos pressupostos de facto e de direito para a sua declaração e o alargamento do seu prazo.

Com a defesa do robustecimento do “Estado de Excepção” e em nome de uma pretensa segurança, estarão em perigo os mais elementares Direitos, Liberdades e Garantias, como a experiência sempre nos demonstrou.

O problema, é que o Estado de Excepção e as políticas securitárias nada resolvem, como se viu no exemplo das políticas de D. Carlos e de João Franco. Os factores que originaram a insegurança e a violência, ontem e hoje, têm de ser encarados de frente, solucionando os problemas que motivam as pessoas a práticas e actos que todos tendemos a classificar como indesejáveis. A repressão, apenas empurra com a barriga e varre para debaixo do tapete problemas que novamente surgirão.

Em nota final, gostaria de lembrar que alguns pretensos iluminados deste País, e não só, foram ao longo do tempo introduzindo subliminarmente o conceito “Estado de Excepção Financeiro”, por esta via justificando a suspensão e supressão de Direitos Fundamentais, em especial dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Também nada resolverão: nem politicamente, nem economicamente, nem financeiramente, como se demonstrou com a intervenção da dita “troika”.

Sobre o/a autor(a)

Advogado, ex-vereador a deputado municipal em S. Pedro do Sul, mandatário da candidatura e candidato do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lisboa nas autárquicas 2017. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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