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Apesar da retórica verde, o sistema energético europeu continua insustentável

Vivemos no paradoxo de termos uma Europa que anuncia o fim dos combustíveis fósseis enquanto tudo faz para que a sua extração e uso aumente.

Ao abrigo da sua estratégia “Europa 2020”, a União Europeia promete investir mais em energias renováveis e na eficiência energética como forma de combater as alterações climáticas, aumentar a segurança energética na UE e aumentar a sua competitividade.1 Um objetivo meritório, tendo em conta que quase quatro quintos da produção energética é dominada pelos combustíveis fósseis, e que menos de um décimo é proveniente de fontes renováveis, sendo o restante assegurado pela energia nuclear.2

Inverter a dependência do setor energético de negócios extrativistas que deixam um legado de destruição ambiental implica uma forte ação dos estados. No caso dos combustíveis fósseis, esta inversão é particularmente urgente. Segundo a Agência Internacional de Energia, quatro quintos das reservas conhecidas de petróleo, carvão e gás natural terão de permanecer no subsolo para que tenhamos sequer uma hipótese de evitar um aumento da temperatura média global de 2ºC. Tendo em conta que infraestruturas como centrais termoelétricas, oleodutos, gasodutos, minas de carvão ou refinarias tem um tempo de vida útil de pelo menos quatro décadas, a mesma agência estima que 2017 é o ano em que o investimento neste tipo de infraestruturas deve começar a decrescer.3 Mas não é isso o que consta dos planos da UE, apesar de toda a retórica de liderança ambiental.

Prevendo um crescimento na procura de gás natural, a UE planeia construir uma rede de novos gasodutos para importar mais gás da Rússia, da Ásia Central e do Norte de África. Ao mesmo tempo, em vários países europeus (incluindo Portugal), empresas energéticas estão a iniciar, com o apoio dos governos nacionais, prospeções para extração de gás natural por fratura hidráulica. Este processo de extração, que envolve injetar químicos perigosos a alta pressão no subsolo para libertar o gás aprisionado, e envolve enormes riscos ambientais envolvidos, nomeadamente ao nível da contaminação da água e do ar.

No uso do carvão, possivelmente a fonte energética mais poluente de entre os combustíveis fósseis, as notícias não são melhores. A Alemanha, grande produtora e consumidora de carvão na Europa, aumentou o seu uso de carvão no seguimento da decisão, tomada em 2011, de abandonar a energia nuclear e está a construir cinco novas centrais a carvão.4 Na Polónia, onde quase toda a produção energética é dominada pelo carvão, o governo planeia aumentar a produção em 40% até 2030.5 Ao abrigo da promessa da captura e armazenamento de carbono, uma tecnologia inexistente e potencialmente perigosa, muitos países europeus preparam-se para aumentar o uso de carvão, contradizendo os compromissos assumidos a nível de redução das emissões de carbono.

Como resultado deste tipo de políticas, a UE é hoje a região do mundo mais dependente do exterior para o abastecimento de energia. A maioria do petróleo e do gás natural, assim como a quase totalidade do urânio, é importado. O maior fornecedor de combustíveis fósseis é a Rússia, através da Ucrânia, o que explica porque faz toda a diferença para a UE ter neste último país um governo “pró-europeu”, mesmo que seja um governo corrupto, anti-democrático e extremista.

A resposta da UE ao conflito Rússia-Ucrânia tem sido o investimento em gasodutos e oleodutos, para aumentar as importações de combustíveis fósseis de países governados por ditadores como o Azerbaijão ou o Turquemenistão. Este investimento não reduzirá a dependência externa, pelo contrário a UE espera que as importações continuem a aumentar.6

Uma fonte essencial de financiamento nos investimentos em novas infraestruturas energéticas é o Banco de Investimento Europeu. Esta instituição financeira, que gere um volume de crédito superior ao do Banco Mundial, tem aumentado o investimento em projetos de combustíveis fósseis, apesar de todas as promessas em contrário.7 Acresce ainda que os países membros da UE subsidiam, direta ou indiretamente, o uso de combustíveis fósseis, num montante que o FMI estima em 88 mil milhões de euros.8

As políticas de austeridade, implementadas no seguimento da crise das dívidas europeia, vieram reforçar esta tendência, à medida que governos de estados endividados subordinaram a proteção do seu ambiente aos interesses da finança. Foi assim que pudemos assistir a uma reversão das políticas de apoio às energias renováveis em Espanha, que chegou ao ponto de esmagar quem decidiu instalar painéis solares com uma taxa sobre o seu uso, assim como o surgimento de planos para extrair petróleo no mar Adriático e na costa do Algarve, das Canárias e das ilhas gregas.

Vivemos no paradoxo de termos uma Europa que anuncia o fim dos combustíveis fósseis enquanto tudo faz para que a sua extração e uso aumente. Vivemos ainda no paradoxo de termos um país como Portugal onde facilmente poderíamos ter um sistema energético baseado em fontes não poluentes e no entanto é ainda raro encontrar uma casa com painéis solares, enquanto as turbinas eólicas pouco mais fazem que cobrir o aumento da procura resultante do desperdício de energia. Esta dissonância entre discurso e prática sai-nos cara, em termos ambientais, sociais e económicos. Por isso mesmo, investir em políticas de redução de consumos e de promoção de energia limpa não é uma prioridade apesar da crise mas antes é uma prioridade por causa da crise.


1 Comissão Europeia, “Europa 2020: Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”, http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2010:2020:FIN:PT:PDF

2 Dados da Agência Europeia de Ambiente, http://www.eea.europa.eu/themes/energy/intro

3 International Energy Agency, “World Energy Outlook 2011”. http://www.iea.org/publications/worldenergyoutlook/pressmedia/quotes/17/

4 The Economist, “The unwelcome renaissance, Europe’s energy policy delivers the worst of all possible worlds”, The Economist, 5 January 2013. www.economist.com/news/briefing/21569039-europes-energy-policy-delivers-worst-all-possible-worlds-unwelcome-renaissance

5 Aleksandra Tomczak, Europe not turning away from coal, World Coal Online, http://www.worldcoal.org/extract/europe-not-turning-away-from-coal-1303/

7 Bankwatch, “Carbon Rising: European Investment Bank energy lending 2007-2010”, http://bankwatch.org/sites/default/files/EIB-carbon-rising.pdf

8 A Comissão Europeia, usando uma metodologia diferente, chegou a uma estima muito mais baixa, de 19 mil milhões de euros. Ambrus Bárány & Dalia Grigonytė, “Measuring Fossil Fuel Subsidies” ECFIN Economic Brief nº40, March 2015, http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/economic_briefs/2015/pdf/eb40_en.pdf

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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