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A infantilização da ciência

Faz sentido que se designe por "contrato de bolsa" uma relação de trabalho cujo objectivo último é a obtenção de um grau académico. Esta relação é, por definição, transitória e insere-se no apoio à formação individual, mas é perfeitamente abusivo estendê-la aos "bolseiros de projecto", que recebem um salário mensal, desempenham tarefas quotidianas frequentemente associadas a um horário de trabalho rígido, e, findo o projecto a que estão associados, não obtêm qualquer progressão académica ou profissional. Não é raro circularem de projecto em projecto durante anos ou serem chamados a desempenhar tarefas administrativas ou de apoio à actividade lectiva de quem os orienta-barra-chefia.

São trabalhadores cuja profissão se define pelo vínculo salarial (são "bolseiros"), que não recebem subsídio de férias, de Natal ou de alimentação, não têm o regime de faltas regulado nem qualquer poder negocial perante a figura, quase omnipotente, do "orientador", que define tarefas, horários, obrigações e ainda se os contratos de bolsa correspondem ao tempo previsto do projecto ou são renováveis enquanto ele decorre.

Para cúmulo, têm contrato de exclusividade. Um bolseiro de projecto que passe um recibo verde está a cometer um crime. Mesmo que esse recibo diga respeito a serviços prestados fora do horário de trabalho e que não tenham qualquer relação com a actividade que exerce no âmbito do projecto. Mesmo que seja óbvio que 750 ou 980 euros são insuficientes para uma vida digna, sobretudo para quem tem pessoas a cargo e prestações a pagar.

No fundo, está-se a assumir que o trabalho científico não é um trabalho compatível com a maturidade: não corresponde a uma carreira, não é tributável em IRS, não prevê que quem o realize possa precisar de contrair um empréstimo ou usufruir de licença de parentalidade (que dependem da existência de um contrato de trabalho) ou prestar assistência aos filhos. É uma ocupação temporária, para entreter jovens recém-formados enquanto não são absorvidos pelas empresas que os transformam em adultos. E, no entanto, estes bolseiros são a pedra-basilar do funcionamento dos centros de investigação e, muitas vezes, contribuem de forma decisiva para os projectos de doutoramento ou pós-doutoramento dos colegas.

Em suma, andamos a brincar aos cientistas. Definir a investigação científica pela precariedade, não a considerando sequer como "trabalho" é, antes de mais, uma tremenda falta de respeito pela ciência. Sem contratos de trabalho, legislação laboral clara e a actualização dos montantes das bolsas, a aposta no desenvolvimento científico é uma história da carochinha... e já vai sendo altura de perceberem que se enganaram no escalão etário.

Sobre o/a autor(a)

Asessora no pelouro da Educação na Câmara Municipal de Lisboa.
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