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Tribunal contra a Monsanto

A iniciativa cidadã de criar um Tribunal contra a Monsanto foi lançada no passado mês de Dezembro de 2015, dias antes da 21ª Cimeira das Partes que teve lugar em Paris.

A iniciativa cidadã de criar um Tribunal contra a Monsanto foi lançada no passado mês de Dezembro de 2015, dias antes da 21ª Cimeira das Partes que teve lugar em Paris. O objetivo é juntar as diversas formas de movimento e resistência, e denunciar os crimes cometidos por esta empresa multinacional que hoje se advoga de agricultura e biotecnologia, mas cuja génese é a do terror tóxico. A iniciativa cidadã desafia assim não só o poder corporativo da Monsanto e das empresas semelhantes a ela (Dupont, Syngenta, Basf, Bayer, Dow), mas também os Estados e o Direito que se encontram ao serviço de interesses setoriais.

As constantes, e múltiplas em forma, ações democráticas contra a Monsanto, protagonizadas por movimentos sociais, movimentos de agricultorxs, organizações de cientistas, entre outros, têm encontrado no Direito e nos Estados sérios oponentes à concretização da justiça ambiental e cognitiva que estas empresas violam. Foi nesse sentido aliás, por assistirmos a Estados sequestrado pelos interesses setoriais, que anualmente se mobilizaram milhões de pessoas contra a política da empresa e contra a impunidade face aos persistentes crimes contra o ambiente e os povos.

Fundada no início do século XX como empresa farmacêutica, a Monsanto expandiu-se par a indústria química durante os anos 20. Lembram-se do DDT (diclorodifeniltricloroetano)? O pesticida criado com objetivo de combater os mosquitos vetores da malária e do tifo, e que no processo arrasou com ecossistemas e intoxicou inúmeras populações humanas, e cujos efeitos crónicos são ainda hoje sentidos. E o agente laranja (2,4-D e 2,4,5-T)? A mistura de herbicida utilizada durante a guerra do Vietnam que promovia a desfolha mas que é hoje responsável por milhares de malformações congénitas tanto no Vietname como nos Estados Unidos da América. Pois, este são apenas dois dos múltiplos produtos criados e/ou comercializados por esta empresa que hoje se apresenta como a principal frente de combate à fome, mas cuja imagem história é um rasto de cadáveres humanos, terras incultas, rios contaminados, populações locais de fauna e flora extintas.

Da bomba atómica à semente transgénica

Muitxs não saberão ainda que esta empresa americana teve um papel central no projeto Manhattan, responsável pela produção das primeiras bombas atómicas, Little Man e Fat Boy, lançadas sobre Hiroxima e Nagasaki, e que desde então esteve várias vezes envolvida com a produção de armamento nuclear. Nem terão conhecimento, que apesar de a empresa negar algum dia ter adquirido, ou contratado, a norte-americana militar privada Blackwater, hoje conhecida como Academi, contrataram, entre 2008 e 2010, a TIS (Total Intelligence Solutions) - divisão de serviços de inteligência da Academi - para promover uma investigação sobre terrorismo, redes de sequestro, conteúdos de blogs e websites sobre a desculpa da segurança dos funcionários da companhia.

Mas não é apenas a conduta de ética duvidável da Monsanto que está em questão no Tribunal. São também os seus múltiplos crimes de corrupção, tráfico de influência, falsificação de estudos científicos, atentados à liberdade de expressão e opinião, crimes contra a saúde pública, crimes ambientais, e até crimes de ofensa física, que estarão a ser expostos durante o decorrer deste Tribunal.

Possivelmente centrado em torno do atual sujeito que hoje se apresenta como o rosto da companhia – os transgénicos – o Tribunal irá assumir uma postura de reforçar os já atuais litígios existentes contra a Monsanto dando-lhes maior visibilidade internacional. Mas a pergunta que gostaria aqui de colocar é como poderemos definir; um quadro legal para uma empresa como a Monsanto ser criminalizada por crimes contra a humanidade? As suas sementes transgénicas e os seus produtos químicos (Roundup) são hoje tão letais como foram Little Man e Fat Boy. Na Índia por exemplo, foi comprovada a existência de uma relação entre o suicídio de agricultores e a produção de algodão Bt, um transgénico da Monsanto que produz toxinas inseticidas. Em Avia Terai, um povoamento na região de Chaco - Argentina, a comunidade enfrenta todos os dias as graves consequências da utilização de pesticidas que aplicam às suas colheitas transgénicas. Por todo o mundo centenas de variedades de colheitas locais são contaminadas anualmente pelos cultivos transgénicos.

Monsanto Years

Face a todos estes casos, e os muitos mais que não mencionei, poderemos ainda continuar a referir estes episódios como meros acidentes? Não, os problemas ambientais, a poluição agrotóxica, e as consequências epidemiológicas da aplicação de pesticidas em colheitas transgénicas são guiadas pelos interesses económicos do capitalismo. Não podemos por isso continuar a acreditar que estas situações são acidentes, isso seria continuarmos na narrativa apolítica que explica os acidentes como acasos, invés de lhes dar o seu contexto político real de que a forma mais primitiva de acumulação é a do desapossamento e a do colonialismo dos modelos de gestão ambiental. Face a este entendimento que o desastre faz parte do desenho do capitalismo, os novos produtos (transgénicos ou novos agrotóxicos) não são dispositivos de resolução de problemas políticos como o da fome, mas a criação de novas estratégias de acumulação. Nem tão pouco a narrativa de acidentes, ou desastres, é apenas uma questão de semântica. Os desastres não são obra do acaso, pelo contrário são fáceis de serem explicados pelas circunstâncias em que a tecnologia, o capital irresponsável, a burocracia e a sua própria narrativa são atos de violência. Os “acidentes” são na verdade fenómenos societais que configuram uma forma de violência que não estamos habituados a debater.

A violência tecnológica é por exemplo um conceito que nos ajuda a entender os acidentes como endémicos ao sistema capitalista. A sociedade e os estados modernos são obcecados pela noção de controlo e por modelos preditivos cujo único objetivo é o controlo da incerteza. Incerteza essa característica de qualquer sistema de produção de conhecimento, incluindo a moderna, e que se torna desastrosa pela sua arrogância determinista ao rejeitar levar a debate público as condições pelas quais o desastre, ou o acidente, ocorre. Tendencialmente, um desastre é precedido de microacidentes que apontam as fragilidades técnicas, mas também humanas, que o constitui. Estes microacidentes formam assim redes que se configuram não apenas como formas de violência corporativa, que incluem violações ambientais, de direitos de trabalho, de segurança, mas também uma violência discursiva que nega o problema, o minimiza por comparação com outras circunstâncias ou até redireciona o foco do problema para uma história pública. Não é difícil por isso encontrarmos na violência corporativa narrativas de racismo ambiental, principalmente quando os efeitos dos desastres e acidentes são desproporcionalmente distribuídos, ou até encontrarmos uma correlação entre classe a vulnerabilidade ao risco.

A New Day for Love

Na ausência de um quadro legal, o que permite na maioria das vezes a estas empresas saírem impunes de processos como o Agente Orange Class Action, a comunidade mundial envolvida nas múltiplas lutas legais, encontra na construção de um tribunal de iniciativa cidadã a possibilidade de levar a justiça ao direito. Um tribunal ético-político, não-governamental, que irá examinar a constante violação dos direitos fundamentais dos povos. É uma necessidade imediata visto os interesses corporativos e de segurança transnacional terem sequestrado o direito constitucional.

Este tribunal será assim não apenas uma luta de se fazer justiça aos crimes cometidos pela Monsanto, mas uma luta pelo direito à autodeterminação dos povos, contra o capitalismo e contra o imperialismo.

A iniciativa terá lugar, entre os dias 12 e 16 de Outubro de 2016, em Haia, a terceira maior cidade da Holanda, onde não por acaso se assinou as Conferências de Haia entre as quais as duas Convenções sobre a Resolução Pacifica de Controvérsias Internacionais (1899 e 1907).

No entanto esta iniciativa encontra-se de momento a fazer uma recolha de fundos que permita financiar o evento de modo a este ser o maior, e mais amplo possível. É pois uma missão de toda a esquerda apoiar esta iniciativa nas múltiplas e variadas formas que consiga. Seja através da doação de fundos, apoio político, mobilização social, etc.

Sobre o/a autor(a)

Estudante de Doutoramento em Governação, Conhecimento e Inovação CES/FEUC.
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