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É urgente reconquistar e aprofundar os nossos direitos

Assistimos a algum desanuviamento mas para os pensionistas e reformados o tempo corre mais veloz.

Tem-se afirmado vezes sem conta que os pensionistas e reformados (+/- 3 milhões) foram dos mais atingidos com a crise austeritária que desabou sobre nós por vontade do governo de direita agora [justamente] deposto e por deliberação de instituições internacionais. Uns e outros assestaram forças sobre o parceiro mais fraco, desenquadrado profissionalmente, fora do mercado, em território onde é mais difícil organizar a luta e manter a solidariedade. Quatro anos impiedosos. A luta travada durante este período entra numa fase diferente e não é demais equacionar alguns aspetos.

Pensionistas e reformados, não constituem um grupo homogéneo, nem na idade nem no valor da pensão. Um pensionista auferindo uma pensão mensal de vários milhares de euros não sofre certamente como um reformado com menos de mil euros mensais (cerca de três quartos dos pensionistas estão nestas condições) e mesmo este não se confunde com um pensionista a quem se exige que sobreviva com duzentos e poucos euros por mês. As prioridades para uns e outros serão compreensivelmente diferentes. Meter tudo no mesmo saco dá espaço à demagogia e aos maiores dislates. Este será, portanto, o primeiro cuidado: a satisfação de umas prioridades não responderá às expectativas de todos e essa diferenciação pode provocar divisão. Porque o segundo cuidado enuncia-se numa pergunta: qual é então a prioridade? A resposta é simples e direta: a máxima preocupação terá de ser com aqueles cuja reforma nem sequer atinge a plataforma do SMN.

Atender aos que estão mesmo na base da pirâmide, e lutar pela melhoria indiscutível da sua qualidade de vida, não é uma utopia. Pelo contrário, deve estar na frente das nossas preocupações. Será espinhoso resolver o problema da pobreza (porque é disso que se trata) mas tem de ser equacionado e ponderado. Vai demorar muito tempo a encontrar uma solução satisfatória, é escusado assobiar para o lado ou alegar argumentos que mandam para as calendas a resolução deste situação miserável, triste. Ao governo cabe dar prioridade absoluta a esta questão e a nós, pensionistas, intervir de forma concertada com propostas não permitindo que esta questão seja esquecida.

Há também os que recebem um pouco mais (qualquer coisa como 600 euros/mês) mas que continua a ser altamente insuficiente. Os aumentos ínfimos agora atribuídos só podem ser suportados na complementaridade com outras medidas na saúde e na diversidade dos apoios sociais absolutamente inadiáveis. É preciso que dessa conjugação resultem melhorias palpáveis para a vida das pessoas. Cabe ao Estado assegurar a convergência de todas as medidas, não permitindo que entidades privadas, com uma lógica caritativa que acode mas não dignifica, ocupem o espaço que é uma obrigação pública. Impedir a todo o custo uma velhice indigna, solitária, continuadamente dependente de ajudas que podem ou não chegar, representa outra frente de combate. Cada idoso, cada pensionista deve poder ir à farmácia comprar o que lhe é receitado sem pedir crédito, comer em casa e não na cantina social, ir ao hospital quando precisa, sair à rua sem sentir uma canga. Porque viver não é crime. À sobrevivência contrapomos a vida e esta opção não conhece culpa. É a igualdade de direitos a funcionar.

Depois há o vasto contingente designado como classe média e a quem se tem tirado este mundo e o outro. Constituído por aqueles que recebem um pouco mais de mil euros até aos que auferem alguns mil mensais. Foram muito fustigados e os que se encontram na charneira dos mil euros correm o risco de se afundarem (aos cortes somam as responsabilidades assumidas agora incapazes de cumprir). Estancar esta ameaça devastadora constitui outra frente de luta. E embora o Governo tenha parado o saque, adivinha-se uma recuperação muito lenta e dolorosa para a qual se tem de encontrar saída. Deitam-se seguramente mais tranquilos porque sabem que no dia seguinte a pensão não foi mexida, mas é insuficiente. Ganharam alguma tranquilidade mas é indispensável acabar com o medo e restabelecer a confiança.

As medidas legislativas agora aprovadas aumentarão a coragem e o fôlego de muitos pensionistas para mais um compasso de espera mas eles merecem saber, de forma clara e sem margem para hesitações, a delimitação temporal e material deste compromisso. Quando volta o subsídio de Natal por inteiro? Quando voltam as atualizações? Como é com os descontos para a ADSE? O que vai acontecer ao Serviço Nacional de Saúde? Que soluções é que se preveem para os transportes públicos para os seniores? Onde estão as redes de apoio domiciliário aos seniores doentes e/ou isolados? Porque não se projeta uma programação cultural de qualidade nos canais públicos de televisão para este grupo etário?

E mais perguntas, muitas mais. As soluções serão várias mas só interessam as que defendam a plena cidadania, a dignidade e a solidariedade. Contra as desigualdades e a solidão. O Estado está aí para acautelar estes direitos, implementar a sua prática, vigiar o seu cumprimento e defesa. E os pensionistas e reformados estarão atentos na auscultação de situações e na apresentação de propostas. Assistimos a algum desanuviamento mas para os pensionistas e reformados o tempo corre mais veloz.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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