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Um país para todo(a)s

A cidadania, a democracia, a liberdade, estão a passar por aqui e a Esquerda tem que as saber agarrar. Já tirámos a Direita do governo não a vamos regenerar na Presidência.

Insólito, deplorável e indigno final de mandato de um bolorento Presidente da República, desditosamente, do meu país. Desde que somos uma democracia ninguém teve tanto tempo o poder na mão e jamais alguém foi tão vácuo, tão velhaco, no exercício dos cargos políticos. Cavaco do pouco que disse e sempre em forma de desconsertadas interjeições, das quais muitas vezes disse o contrário, teve o condão de seguir uma linha de pensamento assente nas raízes saloias de um Portugal atávico, reacionário, limitado à existência pela sobrevivência em que tudo o que configure gosto e vontade é supérfluo. Cavaco ganhou eleições com maiorias, tanto legislativas como presidenciais, acabando o paroquial desempenho das funções com uma larga maioria de descontentes, fartos de aturar as suas boçalidades e cansados do seu arrogante estilo – ressequido de ideias e fátuo de decisões. Não lhe perdoo, porque sou de uma geração a quem lhe foi sacada muita da felicidade a que tinha direito em consequência das suas fracassadas e egocêntricas políticas. Não lhe perdoo, porque é figura central no retrocesso da democracia e da vida com dignidade. Não lhe perdoo, porque lhe atribuo a culpa de hipotecar o futuro do meu país.

No meio desta desgraça política que é ter Cavaco no poder institucional em metade do tempo da nossa democracia (10 anos de 1º ministro, 10 anos de PR), salva-se o almanaque de pitorescas larachas que vão desde a soberba afirmação de que “eu não me engano e raramente tenho dúvidas”, passam pelas enigmáticas vacas que sorriem para o pasto verdejante e pela dissimulada mensagem do pouco apetite para usar a bomba atómica, terminando na excêntrica e desafiadora versão de que “agora vocês têm uma banana maior e mais saborosa”. É este o retrato para a montra da história deste embasbacado presidente. Acresce dizer que me dá especial gozo ver este político de algibeira terminar a carreira como nunca imaginou ser possível. Cabisbaixo, macerado, com aspeto de quem pisou urtigas e destila rancor, lá deu posse a um governo que nunca quis com um apoio partidário que ostracizou. Engoliu em seco o veneno das suas palavras.

Nada mais comprovativo da coerência da atitude dizer-se que tudo estava calculado e os cenários todos estudados, até fez reflexão no 5 de Outubro, para de seguida fazer o acintoso discurso de apóstolo da seita, terminando a aceitar o que, manifesta e publicamente, recusou. Enquanto isto o país esteve paralisado pela birra do chefe que se arvora no economista-mor da suprema responsabilidade. Cavaco sempre revelou uma aptidão inata para a inabilidade política o que, por incrível que pareça, justifica, em parte, a sua longa permanência no poder. O cálculo da insensatez varia na razão proporcional ao desvio da lucidez, tendo como resultado amargo assentar arrais no Reino da Estupidez.

Festejarei efusivamente a saída de cena desta diletante figura política, nem que seja a empanturrar-me de bolo-rei enquanto anilho cagarras, mas não quero voltar a ter vergonha do Presidente da minha república. Por isso é preciso fazer escolhas no próximo ato eleitoral.Vivemos tempos de fervor político e de mudança refrescante, tempos de alento irradiante e de exultação da esperança. Voltamos a acreditar num país mais solidário, mais desenvolvido, mais soberano, mais nosso. Um país que trate as pessoas com respeito, com decência, com dignidade. Que nos trate como gente que merece muito mais do que o que tem tido. A cidadania, a democracia, a liberdade, estão a passar por aqui e a Esquerda tem que as saber agarrar. Já tirámos a Direita do governo não a vamos regenerar na Presidência. É que disfarçada de simpática, afável, dialogante, a Direita conservadora, mesquinha e parceira dos privilégios, aposta num candidato que durante anos entrou pela casa dos portugueses num ardiloso engodo de familiaridade com as vontades e pretensões dos cidadãos.

Um Presidente da República não é uma figura decorativa como que para embelezar cerimoniais e comemorar efemérides. Cabe-lhe mobilizar o país para as questões relevantes. Compete-lhe despertar os cidadãos para a exigência dos seus direitos e para o compromisso da construção de uma sociedade mais justa e plural. Pertence-lhe, por direito constitucional, o garante do bom funcionamento das instituições tratando-as com imparcialidade e equidade democrática. Terá de ser sempre o mobilizador de um povo na firme defesa da soberania nacional e do interesse coletivo.

É em nome destes preceitos, em defesa destes valores, em consonância com identificação ideológica, em defesa do acervo de intervenções políticas e sociais, em reconhecimento pela qualidade e pela capacidade, em garantia de ter orgulho na pessoa que representa a minha república como Presidente, que apoio, mobilizo e faço campanha pela candidata Marisa Matias.

“Este é um momento de esperança, é um momento de sonharmos
com um Portugal melhor, de sabermos que isso está ao alcance da nossa mão.
O voto de Janeiro é um instrumento deste sonho,
é um passo no caminho desta esperança”
(Manifesto eleitoral de Marisa Matias com o lema Uma por todos)

Artigo publicado no “Jornal de Barcelos” em 2 de dezembro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda
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