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De que se alimenta o terror?

O Estado Islâmico não é uma invasão muçulmana. Alimentou-se de regimes reacionários, de conflitos étnico-religiosos, e do próprio combate ao terrorismo.

Em janeiro, um grupo terrorista liderado pelo radical islâmico Haram Baga massacrou 2.000 pessoas na Nigéria, país em que metade da população é muçulmana. O Mundo não viu, estava focado no brutal ataque ao jornal "Charlie Hebdo". Este fim de semana, 41 pessoas foram mortas no Líbano, num ataque organizado pelo mesmo grupo responsável pela tragédia em Paris, o autoproclamado Estado Islâmico (EI).

Nem todos os árabes são muçulmanos, nem todos os muçulmanos são árabes. Também os há na Albânia, na Indonésia, na Somália, espalhados por vários países europeus. São a segunda maior religião do Mundo e, precisamente por isso, a tolerância religiosa não lhes é nem mais nem menos estranha do que aos cristãos.

O terrorismo do Estado Islâmico não é uma guerra entre civilizações, etnias ou religiões: as suas primeiras vítimas são muçulmanos e árabes, da Síria à Nigéria ou ao Quénia. O que o define é o ódio e o fanatismo, a violência e o medo. O terror que alimenta o EI já andou de mão em mão por essa história fora, e não é apanágio de qualquer religião ou regime político em específico. O terror existe só por si, o que não quer dizer que não tenha, em cada uma das suas expressões, raízes complexas e profundas.

O Estado Islâmico nasceu a partir do braço iraquiano da al-Qaeda, depois da invasão dos EUA, em 2003. Alimentou-se das divisões internas entre curdos, cristãos, muçulmanos sunitas (uma minoria opressora sob o comando de Saddam) e muçulmanos xiitas (maioria opressora sob o comando dos novos governos apoiados pela América do Norte). Os radicais do EI são sunitas, assim como 90% dos muçulmanos da área.

O frágil Estado Islâmico do Iraque (ISI) ganhou força com o início da guerra civil na Síria. Um Estado governado pela minoria xiita, presidido por Bashar al-Assad, contestado internamente pela repressão contra sunitas, curdos, e outros. Enquanto no Iraque os EUA combatiam diretamente o ISI, na Síria, a oposição a Assad era apoiada pela Arábia Saudita, e outros países do Golfo, com a conivência dos EUA e da Europa (incluindo o próprio Governo francês). Foi assim que armamento sofisticado chegou às mãos do ISI, entretanto transformado em ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria), e depois em EI.

O Estado Islâmico não é uma invasão muçulmana. Alimentou-se de regimes reacionários, de conflitos étnico-religiosos, e do próprio combate ao terrorismo. Só a democracia e a recusa do ódio o podem vencer.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 17 de novembro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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