Violência e ignorância política da direita portuguesa

porRui Matoso

15 de November 2015 - 12:52
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Quando o presidente da JSD chega ao ponto de intitular o seu artigo de opinião de “Golpe de Estado em curso!”, mais não faz do que exercer e apelar à ignorância política, num discurso infundado e obscurantista.

Francisco de Goya, O sonho da razão produz monstros (1797-1799)

Os partidos da coligação de direita (PSD+CDS), bem como a sua legião de comentadores bem estabelecidos na imprensa não parou de repetir banalidades e opiniões pouco dignas da missão esclarecedora que devem ter os partidos que se reclamam do “arco da governação”, pois é suposto que a responsabilidade da ação política deve contribuir para aumentar os níveis de democracia e de qualidade do sistema político português. É também para isso que os cidadãos pagam os seus impostos, para que os seus representantes, democraticamente eleitos, zelem pelo desenvolvimento social e cultural do país, e não o contrário.

A educação cívica e política dos cidadãos não deve contudo ser exclusivo dos partidos, mas devemos exigir que os seus dirigentes e eleitos cumpram uma missão de serviço público de qualidade, visando elevar o debate crítico de ideias, e não amesquinhar a linguagem ao nível da ignorância, da violência simbólica, do populismo demagógico e da instrumentalização ideológico-partidária.

Quando o presidente da JSD (Distrital Lisboa- área Oeste), portanto líder da juventude partidária do partido que obteve mais votos nas eleições legislativas de 2015, chega ao ponto de intitular o seu artigo de opinião de “Golpe de Estado em curso!” (Badaladas, 6/11/2015), mais não faz do que exercer e apelar à ignorância política, num discurso infundado e obscurantista, logo indigno de quem deve acima de tudo contribuir para um debate público pautado pelo rigor e conhecimento da Constituição da República Portuguesa.

Apesar de começar o seu texto com uma premissa verdadeira: “No passado dia 4 de outubro os portugueses escolheram quem querem para governar Portugal”, o resto do artigo não tira as conclusões corretas. É pois evidente que os portugueses escolheram para governar uma solução de esquerda com apoio numa maioria parlamentar, para tal houve eleitores que votaram no PS, no BE e na CDU. Esta votação maioritária é a que constitucionalmente permite que haja um governo com apoio do parlamento para governar durante a próxima legislatura. O resto das inferências são delírios da opinião subjectiva repetida à exaustão entre os apocalípticos da direita nacional.

A lógica do “quem ganha as eleições é que tem o direito a governar” não tem a menor validade e por isso evoca-se a tradição como se fosse lei. Mas imagine-se se a valorização da tradição acima da lei aplicada a outros casos; por exemplo, é tradição haver corrupção em Portugal, então deve continuar a existir corrupção eternamente? O mito da tradição é apenas e tão somente um álibi conveniente aos conservadores e neoliberais para manterem o seu status quo à força e enquanto puderem. Portanto, quando o líder da JSD escreve no seu artigo que “Quem tem legitimidade para governar é Pedro Passos Coelho...” é necessário perguntar de onde vem essa legitimidade? De Deus?! É que a julgar pela campanha religiosa da direita, tudo o que agora acontece em Portugal é de responsabilidade divina.

Bem podem os arautos da direita levantar medos e papões, do comunismo, do Syriza, dos mercados, da Nato, dos compromissos europeus, etc, e continuar a tratar os portugueses como se fossem ignorantes, mas isso já nada resolve, e porque acima de tudo a ignorância tende a ficar aprisionada no seu próprio meio e a medrar na cabeça daqueles que a tentam difundir.

Aliás, no atual contexto é muitíssimo preocupante ver partidos políticos como o PSD e CDS, tidos historicamente como sendo do centro da governação, transformarem-se em partidos fundamentalistas religiosos, incentivadores do ódio social e no limiar da racionalidade política. Basta vermos as imagens divulgadas na imprensa para se perceber a forma como se expressam atualmente diversos lideres e militantes destes partidos para observarmos o limiar da violência verbal e da agressividade física a que chegaram.

O anti-esquerdismo primário e a falta de argumentos convincentes, bem como a diminuição drástica do nível de dignidade política é um péssimo sinal. É que quando a razoabilidade da razão é levada ao abismo e se revela monstruosa, o instinto primitivo do homo sapiens é facilmente solicitado pela violência física e simbólica e pode resultar numa profunda regressão social e civilizacional. Como bem soube e anteviu Francisco de Goya, o delírio da razão produz monstros.

Rui Matoso
Sobre o/a autor(a)

Rui Matoso

Investigador e docente universitário
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