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A loucura da cultura

Num gesto de aflita improvisação e à ultima hora, a coligação PSD-CDS propõe no seu projeto efémero de governo um novo ministério, o Ministério da Cultura, Igualdade e Cidadania. É realmente espantosa a capacidade de sobrevivência a todo o custo de Passos Coelho e Portas.

Em 2012 o Ministro da Cultura do governo grego, Pavlos Geroulanos, classificou o desmantelamento do Ministério da Cultura em Portugal como sendo uma loucura. A direita portuguesa, liderada por Passos Coelho não se contentou apenas em destruir grande parte do legado de Manuel Maria Carrilho (Ministro da Cultura entre 1995 e 2000), cujo fundamento era o de colocar “a cultura no coração da política”, mas quis essencialmente retirar autonomia à política cultural para a colocar sob alçada direta e em dependência do Primeiro-Ministro. Nessa altura um dos argumentos justificativos da medida era que pretendia poupar ao Estado 2,6 milhões de euros, através da reestruturação administrativa da orgânica da cultura (PREMAC). E agora qual será o argumento para reinstituir o ministério?

Escultura de Shawn SmithEm 30 de Outubro de 2015, num gesto de aflita improvisação e à ultima hora, a coligação PSD-CDS propõe no seu projeto efémero de governo um novo ministério, o Ministério da Cultura, Igualdade e Cidadania, numa derradeira tentativa de seduzir António Costa e para agradar ao PS. É realmente espantosa a capacidade de sobrevivência a todo o custo de Passos Coelho e Portas, quando até inventam ministérios que contrariam o programa eleitoral apresentando e sufragado pelos seus eleitores escassos dias antes. A proposta de um Ministério da Cultura constava do programa eleitoral do PS, mas não estava nos compromissos eleitorais da coligação Portugal à Frente. Aliás o que ali se pode ler, contrariando esta nova proposta ministerial, é uma “visão transversal, que integre e coordene as dimensões da educação, do ensino superior, da ciência e da cultura”, mas sem que tal careça de uma dependência orgânica administrativa, tal como Passos Coelho defendia em 2011.

Obviamente que já não nos espanta esta celeridade, pois a forma como mentiram e se contradisseram nas eleições de 2011 foi cabalmente esclarecedora do vale tudo da direita portuguesa contemporânea, veja-se aqui o famigerado best-off. Ainda assim não deixam de ser confrangedoras e patéticas as tentativas desesperadas de obter o apoio de António Costa, quando este por inúmeras vezes o rejeitou. Em termos psicanalíticos, parece que desta vez o síndrome de rejeição resultou num complexo mistério de sedução lançada ao objeto de desejo. Qual rosa sem porquê, qual inefável adorno da burguesia pafienta, nada mais nada menos do que uma ministra sem experiência e pensamento na área da cultura e avessa aos direitos de igualdade no casamento entre pessoas do mesmo sexo: “Não queremos ver alterado o núcleo essencial do casamento, que é o de uma união entre um homem e uma mulher.”, dizia a então deputada Teresa Morais.

Na realidade a indigitação de Teresa Morais é um pormenor na incongruência maior da (des)valorização da política cultural, só um inimputável como Passos Coelho pode exercer publicamente, e com a cumplicidade e permissividade institucional do presidente da República, a leviandade de num ano considerar que os portugueses não merecem ter um Ministério da Cultura, para depois achar exatamente o seu contrário, com todas as gravosas implicações que este tipo de atitudes tem na vida cultural do país. Isto, para além de explicitar uma instabilidade fulcral na racionalidade política é sinal evidente da falta de visão a longo prazo e da confiança necessária à governação. Tudo aquilo que Cavaco Silva parecia querer exigir à formação do próximo governo, mas que afinal era somente mais um ato da mesma farsa.

É óbvio que os partidos de esquerda defendem a existência de um Ministério da Cultura e de políticas culturais ancoradas nos princípios da democracia e do desenvolvimento cultural, dotado de um orçamento digno e com planificação estratégica. Mas, pelo contrário, o que está em causa na insustentável irreflexão da coligação PaF é a sua risível e demagógica atitude de quem apressadamente quer colar na lapela a distintiva insígnia da cultura. Nesse sentido, esta medida e este governo só podem ser classificados como uma piada de mau gosto...

Imagem: Escultura de Shawn Smith

Sobre o/a autor(a)

Investigador e docente universitário
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