A 28 e 29 de novembro por todo o mundo e em 12 de Dezembro nas ruas de Paris, concentrar-se-ão num espaço de denúncia de um acordo na melhor das hipóteses débil, na pior catastrófico, mas também para apresentar alternativas que não passem apenas por mudar a disposição das cadeiras enquanto o Titanic está a ir ao fundo.
Muito do futuro que teremos enquanto civilização e enquanto espécie será influenciado pela 21ª Cimeira do Clima que decorrerá a partir de 30 de Novembro em Paris. É na capital francesa que se reunirão mais de 40 mil delegados representando 196 países, observadores, empresários e membros da sociedade civil, com vista à obtenção de um acordo internacional que mantenha a subida da temperatura global do planeta abaixo dos 2ºC até 2100. Do lado de fora da conferência, estarão centenas de milhares de manifestantes, exigindo um acordo muito mais ambicioso do que aceitar os 2ºC de subida de temperatura (que serão catastróficos para muitas regiões do planeta, em que a subida será muito superior a estes 2ºC) e exigindo que entre os principais negociadores não estejam os principais responsáveis pelas emissões, nomeadamente empresas energéticas e petrolíferas.
A Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC) foi fundada no Rio de Janeiro em 1992, e é constituída pelos 196 Estados, as "partes" que compõem esta COP (Conferência das Partes). Confusos com as siglas e a nomenclatura? É normal. Além disso, a informação técnica e científica que apoia as tomadas de decisão é feita pela Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, cujo último relatório, de 2013/2014, foi escrito por 309 autores de 70 países, com contributos de 1.800 cientistas do IPCC.
A aceitação de uma subida de temperatura de 2ºC é altamente condicionada pela inflexibilidade dos principais poluidores a nível nacional (UE, EUA, China, Índia, Rússia) e multinacionais (BP, Gazprom, Exxon Mobil, Saudi Aramco, Shell, Monsanto, Volkswagen, Indústrias Koch, Chevron, Caterpillar, BASF, Cargill, Bayer, Dow Chemical, Boeing, Mitsubishi, Ford, General Electric, Rio Tinto, E.ON, General Motors, British American Tobacco e outras). Na verdade entre estes estados e estas empresas existe mesmo quem defenda que não deve ser feito qualquer acordo para limitar as emissões e que quaisquer consequências de uma subida dramática da temperatura são aceitáveis, desde que possam manter o seu modelo de negócio. Do outro lado, as ilhas do Pacífico que enfrentam a submersão numa questão de poucas décadas devido à subida do nível médio do mar, confrontam-se com gigantescos interesses, indiferentes ao desaparecimento literal dos seus territórios nacionais.
Os cenários de acordo que se apresentam como mais credíveis são:
- os cortes em emissões serão voluntários;
- os mecanismos de flexibilidade serão continuados (isto é, continuará a existir um comércio de emissões de carbono que até agora se revelou um rotundo falhanço, uma vez que as emissões continuam a aumentar desde que foram instituídos, e em alguns casos até acelerou o ritmo de aumento de emissões);
- propostas de novos mecanismos de mercado para a transação de poluição e emissões entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.
Antes de começarem as negociações finais, foi pedido aos vários países representados que apresentassem as suas propostas voluntárias de cortes de emissões. Dos 196 Estados, foram apresentadas apenas 119 propostas (apesar de a UE ter apresentado as propostas dos seus 28 membros como apenas um). A UE compromete-se, voluntariamente, a cortar 40% as suas emissões até 2030 (em relação às emissões de 1990), os EUA comprometem-se com um corte de 26-28% até 2025 (em relação às emissões de 2005) e a China compromete-se em atingir o seu pico de emissões até 2030, começando posteriormente a reduzir. Ora, estas três potências, que representam 45% das emissões globais de gases com efeito de estufa, se cumprirem as metas que voluntariamente assumem, excederão em mais do dobro as emissões necessárias para obter um aumento máximo de 2ºC até 2100. As emissões dos principais países deveriam estar em 35 gigatoneladas de dióxido de carbono em 2030. Os compromissos voluntários indicam emissões de 60 gigatoneladas de dióxido de carbono, quase o dobro do necessário.
Esta é uma questão central do problema das negociações de Paris: como os compromissos são voluntários, podendo ou não ser implementados, e podendo haver mecanismos de transação de emissões que utilizam engenharia financeira para deslocalizar emissões que continuam a aumentar, é possível que estejamos a olhar diretamente nos olhos de um nado-morto, ainda mais grave que o Protocolo de Quioto, porque é mais tarde. Não são adiáveis as decisões de cortes de emissões: os gases com efeito de estufa ficam na atmosfera décadas ou séculos, o que significa em muitos casos que o que for emitido não pode ser removido e os efeitos do aumento do efeito de estufa sentir-se-ão durante os próximos séculos, ameaçando inviabilizar sistemas agrícolas, florestais, aumentando a temperatura para níveis incomportáveis em zonas como o Mediterrâneo e as zonas mais próximas do Equador. Deparamo-nos com uma situação histórica sem paralelo.
Nesse ponto, importa perceber que campos se definem dentro e fora da Cimeira do Clima em Paris. Do lado de dentro, além dos países emissores, estarão também os países que sofrerão os maiores impactos das alterações climáticas - os mais pobres - e que, em muitos casos, já assumiram metas de redução de 100% de emissões de gases com efeito de estufa. Além disso estarão as maiores empresas poluidoras, executoras e tantas vezes decisoras das escolhas de desenvolvimento que marcaram o rumo da evolução da sociedade e da civilização humana até agora. E estarão na sua maioria a servir de força de bloqueio ou, ainda mais grave, a procurar lucrar com tragédias futuras apresentando soluções avulsas e tecnológicas cuja eficácia é pouco mais que muito dúbia (como por exemplo os esquemas de captura e armazenamento de carbono - CCS). É de notar que entre os "patrocinadores oficiais " da COP-21, Cimeira do Clima, estão algumas destas empresas: Renault-Nissan, Suez, Air France, Michelin, Coca-Cola, Veolia. É na Cimeira que estas empresas terão uma montra chamada "Soluções COP21" para apresentar novas ideias de negócios que não tocarão no essencial das emissões e servirão para realizar o "greenwashing" - lavagem verde - das suas actividades principais, ligadas à degradação ambiental e aos impactos da sua atividade produtiva. Estas empresas, em contrapartida pelo seu patrocínio, têm ainda acesso às delegações e às negociações, com potencial de influenciar o desfecho das negociações. Estas multinacionais têm muito maior poder (e riqueza) do que os países mais pequenos, excedendo nos lucros anuais o PIB destes estados. Não podemos naturalmente esquecer-nos do patrocínio lateral feito pela BMW, pela Carbon TradeXchange, pela New Holland Agriculture ou pela Vattenfall. Um grave problema é que as soluções propostas são falsas propostas e agravam a crise climática:
- A tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CCS) é experimental, mantém a dependência económica dos combustíveis fósseis, tem potencial para provocar instabilidade geológica e não tem garantia que o armazenamento funcione;
- Os mercados de carbono não funcionam. Até hoje os países onde estão operacionais, nomeadamente na União Europeia, não reduziram as suas emissões e o mercado tem sido utilizado apenas para produzir mais especulação financeira;
- O gás de xisto destrói os ecossistemas locais e envenena os cursos de água - além disso obtém um combustível fóssil, que aumenta o efeito de estufa e a temperatura;
- O gás natural, apesar das tentativas de reabilitação do mesmo, é um emissor de mais gases com efeito de estufa, não é renovável e contribui para o aumento da temperatura;
- Os biocombustíveis, utilizando culturas agrícolas transformadas em álcool ou diesel, emite, nas suas formas mais correntes, mais gases com efeito de estufa que os próprios combustíveis fósseis, além de aumentar a desflorestação para abrir novos campos agrícolas e reduzir o alimento disponível, aumentando o seu preço.
Além das grandes multinacionais do agronegócio, da energia e dos combustíveis fósseis, o setor dos transportes far-se-á representar ao mais alto nível. É preciso olhar para o escândalo da VW para perceber como as alterações climáticas têm sido interpretadas pelas principais multinacionais: os limites voluntários assumidos, que permitem a estas organizações declarar-se "verdes" ou "amigas do ambiente", são permanentemente violados. Mais do que isso, o não cumprimento de limites legais, burlando sistemas de testes de vigilância de emissões, é visto como custo de oportunidade e utilizado para poupar no fabrico dos motores e vender veículos mais caros, porque são "ecológicos". Além da VW, todas as suas subsidiárias Audi, Skoda, SEAT utilizaram softwares fraudulentos para manipular os seus dados de emissões. Além destas, a rede aperta sobre a indústria automóvel: a BMW também está fora das margens legais de emissões, a Volvo emite gases NOx (gás com elevado efeito de estufa) 14,6 vezes acima dos limites legais, a Renault 8,8 vezes acima e a Hyundai 6,7 vezes acima. Por outro lado, os testes da organização T&E (Transport and Environment) revelaram que a Mercedes, a BMW e a Peugeot consomem mais 50% do que aquilo que os resultados oficiais das marcas divulgam, enganando os donos das viaturas e emitindo pelo menos 50% mais do que aquilo que declaram. Na verdade, este estudo revela o mais grave de tudo: a diferença entre as emissões declaradas pelas marcas dos veículos e as emissões reais é de 40%. E a Comissão Europeia estava ciente deste facto há mais de dois anos, não tendo divulgado o mesmo ou agido sobre estas multinacionais. Esta informação revela o nível de fraude a que toda a sociedade está sujeita - e mais acordos voluntários, sem nenhum poder de fiscalização ou aplicação - para metas que nem sequer atingem o mínimo acordado historicamente de manter a subida de temperatura abaixo dos 2ºC revelam a fraqueza do que está proposto não só para a Cimeira de Paris como para o futuro do clima terrestre.
Do lado de fora da cimeira, nas ruas de Paris, estarão centenas de milhares de pessoas, organizações ambientalistas, movimentos sociais das mais variadas índoles, desde o mundo sindical às lutas indígenas, do movimento pela justiça climática às organizações de camponeses. Nos dias 28 e 29 de Novembro por todo o mundo e no dia 12 de Dezembro nas ruas de Paris, concentrar-se-ão num espaço de denúncia de um acordo na melhor das hipóteses débil, na pior catastrófico, mas também para apresentar alternativas que não passem apenas por mudar a disposição das cadeiras enquanto o Titanic está a ir ao fundo. Não é um movimento altruísta, é um movimento com uma agenda de autodefesa, um movimento global pela justiça climática e defesa das populações contra os efeitos de alterações de fundo na estrutura natural e social provocada por um novo clima que está a dar os seus primeiros passos. Seremos nós aqueles por quem estamos há tanto tempo à espera?
Artigo publicado em visao.sapo.pt em 9 de outubro de 2015