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Fomos a Paris
É uma boa pergunta, podíamos ter escolhido outras prioridades. Mas a resposta chega depressa: ‘porque somos um país de emigrantes’, consumados ou em potência. Não é uma questão de votos. Seria como deixar de fazer política a pensar nos jovens porque a abstenção é enorme nos jovens.
A emigração faz parte do país que somos, e é a prova do que não conseguimos ser. Nos anos 60 fugia-se da guerra e da miséria. Para França, mas também para o Brasil, para a Venezuela. Um dos responsáveis por uma das associações de apoio aos portugueses em Paris garantiu-nos que queriam voltar, mas nunca conseguiram. E por isso se agarram com tanta força às coletividades, às iscas com batata aos sábados e ao folclore, mesmo que isso signifique viver num eterno anacronismo, que se perpetua de geração em geração, sem regresso à vista.
Cinquenta anos depois, o fenómeno repete-se. Há uma parte que carrega consigo aquilo em que soubemos fazer bem: são altamente qualificados, cosmopolitas. A outra repete o passado: mão-de-obra barata, pau para toda a obra, que se atira atrás de uma dica, que nem sempre se materializa, ou de um esquema, que não raras vezes acaba em mais um triste caso de exploração. O que é que isto diz de nós? Ambos os casos são a prova do nosso falhanço. Cinquenta anos depois não soubemos colher os frutos de todo o investimento feito em serviços públicos. Cinquenta anos depois continuamos a exportar mão-de-obra barata. E o vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Paris é, mais uma vez, perentório: quem saiu já não volta.
Não tenho nada contra a emigração voluntária, em busca de novas experiências. Já o fiz. Pessoalmente, o que me revolta é ver parte dos meus amigos a sair porque não conseguem mais que um call-centre a 2,5€/h, ou porque sabem que nunca terão apoios à investigação aqui. Politicamente o que me preocupa é ver o país a esvaziar-se das pessoas que precisa para trabalhar, para pagar impostos, para fazer arte, para ter filhos, para pôr isto a andar para a frente.
Será tão difícil entender que, a médio prazo, sai muito mais caro ao país perder esta gente do que pagar salários decentes, abrir mais programas doutorais, contratar professores e enfermeiros? Sem falar em todas as medidas que não custam um cêntimo, como aquela ideia radical de dar um contrato a cada trabalhador, e que seja superior a um mês, e que não se permita fazer dos estágios a negociata das grandes empresas para explorar mão-de-obra barata.
Finalmente, enquanto filha, sobrinha, prima, amiga de emigrantes, impressiona-me o abandono a que foram votados. O encerramento de consulados, o único ponto institucional de ligação ao país, o desinvestimento do ensino de português, apenas para quem pode pagar as propinas, e os cortes no financiamento às associações que ainda vão prestando o apoio que o Estado se nega. Até o direito mais básico, o voto, não é um processo automático, ou fácil.
Portugal é um país de emigrantes porque é um país pobre. É estrutural, e não se resolve em três tempos. Mas quem aceita a emigração aceita a pobreza, e quem aceita a pobreza não pode governar.
p.s. há, nos bastidores dos dias frenéticos de campanha, muitas coisas invisíveis. Entre elas as equipas de jornalistas, que estão onde estamos, de manhã à noite, e se desdobram em acrobacias para montar a peça da noite no autocarro, a meio da viagem, ou escrever os últimos parágrafos quando já não resta ninguém nas salas de jantar, nem as bandeiras. Durante os últimos anos habituei-me a ver o André, o ‘André da Lusa’, nesses preparos, com um humor claramente destoante do – perfeitamente compreensível — cansaço rabugento de todos nós. Vai fazer-nos falta.
Artigo publicado em blogues.publico.pt em 22 de setembro de 2015
Comments
Mariana
Mariana
Ponto prévio.
A questão das atitudes políticas / partidárias renderem votos ou não, não tem só por si qualquer importância. Se as atitudes forem genuínas, verdadeiras, atenderem a prioridades legítimas é perfeitamente aceitável que tenham o seu contraponto de captura de votos. Mas só em função disso.
No caso da ida a Paris, talvez não rendam votos entre os portugueses que lá estão, mas poderão levar a que os seus familiares e amigos em Portugal, que tenham conhecimento dessa vossa visita e das suas motivações, possam ser sensíveis eleitoralmente.
Seguindo.
Quando falas da emigração de tempos idos, certamente não terias oportunidade de evidenciar todos os destinos e tipos de emigração. Contudo lembraria aqui alguns. A emigração de natureza política, para fugir ao antigo regime e à tropa. A migração "dentro do nosso império", para as antigas colónias, particularmente Angola e Moçambique. De Portugal Continental para o exterior, também para os EUA (o meu avô materno foi um deles) e para a Alemanha. Dos Açores partiu também muita gente para os EUA. Da Madeira, não só para a Venezuela, mas também para a África do Sul.
Não servindo de desculpa, a verdade é que "ir para fora" está no nosso ADN. Desde o tempo dos descobrimentos. O que naturalmente não pode justificar os tempos mais recentes.
Contudo, eu que tive que "emigrar" à força de Angola onde nasci, por uma suposta libertação que só serviu alguns, não gostaria de emigrar novamente, nem que tal acontecesse aos meus.
E como diz o povo, "não queiras para os outros o que não queres para ti e para os teus."
Cumprimentos,
Paulo
(o presente texto vai ser enviado para terceiros por outras vias)
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