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O custo directo do ajuste
Prazo de 12 dias, 8 dias úteis, eis "o ajuste directo da semana". Com a Oposição de todos os autarcas reunidos em Conselho Metropolitano, com a resistência e incredulidade dos utentes e dos trabalhadores, sem excepções, todos contra. O poder central, abusando da sua prerrogativa democrática de poder fazer péssimo à custa do pior que já existe, não escuta nem quer ver. Mas usa da palavra pela voz do secretário de Estado dos Transportes e passa à acção directa. Ajuste em tempo recorde, tábua rasa sobre as aspirações de quem vive e sente a necessidade de uma área metropolitana inclusiva, num sistema integrado e racional de transportes, com mobilidade assegurada para as periferias que vivem na renda geográfica. Politicamente, um caso de ingerência interna dentro do próprio país. Mais um caso de absoluto despotismo e incapacidade de compreender as pessoas no seu contexto e na assimetria das suas realidades, à custa da dimensão provinciana de quem se arroga a capacidade de tudo entender sem nunca ter picado um bilhete de zona.
A estratégia do poder central vem de longe, faz o que está escrito nos livros mas, em tempos, faltou-lhe um comprador para as rifas. Primeiro, degradou os serviços alimentando a insatisfação dos utentes. Começou pela orientação guiada, sempre com um fim à vista, a supressão das linhas, o fim da linha. Em simultâneo, executou o plano de diminuição do número de motoristas e diz ao que vem, pelo desprezo revelado na drástica redução orçamental. Esperou pelo inverno da mobilidade, potenciou o inferno que os utentes hoje vivem com a falta de transportes e a extinção de trajectos, com os horários incertos, prorrogados e tardios.
O processo estava em curso mas as pessoas nas paragens. Rápido que se faz tarde, lança-se o concurso de concessão com prazos sucessivamente alargados à medida do comprador, com um caderno de encargos que subtrai toda a justiça social nos acessos que a mobilidade deve preservar (ao ponto de premiar com mais cerca de 27 milhões quem comprasse e levasse rápido). O processo parou e o consórcio espanhol saiu de jogo, rasgando o contrato. Nada que os impeça de serem novamente convidados para o ajuste directo, sem concurso decente que se veja, processo tão feroz no tempo que só poderá mover-se no pântano da confusão instalada. É evidente que se este ajuste directo não for travado, só perceberemos o que verdadeiramente existe depois do acto consumado. A vontade do poder central é esta, a da negociata cambalacho que trata a "população periférica" (tudo o que mexa fora da metrópole) com o respeito e a deferência que um depósito vazio trata um veículo aos soluços. Bem pode estrebuchar que não anda.
Uma vez criada a ideia de ineficiência dos serviços públicos nos utentes, trataram de juntar tudo no mesmo saco (STCP e Metro), criando a névoa que convém a quem não quer distinguir o que é diferente por natureza. Uma coisa é a Metro, outra a STCP. Fazendo tábua rasa das diferenças, cumpre a velha máxima do "senhor chófer por favor" e carrega no acelerador. A lengalenga parece um conto de crianças mas faz-se ao caminho, não discernindo que a questão da STCP tem maiores e mais fundas implicações na inclusão e equidade de acesso. E neste momento, encontramo-nos assim, num cordão humano na Trindade, no túnel de acesso em que nos posicionaram, vendo uma questão indispensável para a coesão social como a mobilidade, tratada - como salienta Eduardo Vítor Rodrigues - com maior facilitismo do que se defere a concessão de um apoio de praia. Ou - como bem defende Rui Moreira - sem termos a noção de que a auto-sustentabilidade de uma rede de transportes públicos moderna e inclusiva é uma ideia-miragem a ser combatida. Exige-se ao Estado que não se faça substituir na sua responsabilidade de assumir aquilo que os privados não querem fazer. Não é mais Estado. É o Estado.
Vá de metro, Satanás. Se a decisão política do ajuste directo vingar, caberá aos contribuintes pagar mais caro por um bilhete para sítio incerto. Onde deveríamos ler expansão da rede, leremos descontinuação de serviços. As tarifas aumentarão, a redução das linhas será uma inevitabilidade e caberá ao novo dono disto tudo (leia-se, STCP e Metro) aferir, por exemplo, da importância e manutenção de um trajecto com menos passageiros mas, ainda assim, com pessoas que não terão outra hipótese de mobilidade senão essa. Acreditar que podem ser os privados a aferir e cuidar da nossa coesão social é uma das ideias centrais de quem nunca fez a viagem.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 1 de setembro de 2015
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