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O que se passa nos países de onde saem as pessoas que chegam à Europa

65% das pessoas que chegaram à Europa através do Mediterrâneo nos primeiros quase oito meses deste ano vêm da Síria (43%), do Afeganistão (12%) e da Eritreia (10%). Fogem maioritariamente de países em guerra, regimes autoritários e violações de direitos humanos. Por Jaime Sevilla Lorenzo e Raúl Sánchez.
Gráfico de Raúl Sánchez, publicado em eldiario.es

Guerra, detenções arbitrárias, torturas, abusos sexuais, repressão informativa... Pelo menos seis em cada dez pessoas das que chegaram à Europa através do Mediterrâneo nos primeiros quase oito meses deste ano vêm de países onde as violações de direitos humanos são constantes. Na Síria, milhares de pessoas estão detidas, sequestradas ou desaparecidas e cerca de 250.000 civis vivem em estado de sítio. O conflito do Afeganistão provocou 4.853 vítimas mortais no primeiro semestre de 2014. Na Eritreia, não são respeitadas as liberdades de expressão, associação e religião.

43% das pessoas que chegaram aos países europeus através do Mediterrâneo no que decorreu deste ano vêm da Síria, a maioria através da Grécia. 12% procedem do Afeganistão, também pela Grécia. 10% vêm da Eritreia, que escapam principalmente pela Itália. As nacionalidades maioritárias seguintes são Nigéria (5%) e Somália (3%), que também chegam sobretudo à costa italiana.

Principais países de origem das pessoas que chegam à Europa pelo mar

Síria: um conflito com 190.000 mortos

Principais países de origem das pessoas que chegam à Europa por mar – Mapa de Raúl Sánchez, eldiario.es

A Síria está há quatro anos atolada num conflito em que morreram pelo menos 190.000 pessoas, segundo dados da Amnistia Internacional (AI). 11,6 milhões tiveram que fugir das suas casas, das quais 4 milhões fugiram para outros países e o resto deslocou-se dentro da Síria. Estes 4 milhões de refugiados foram acolhidos maioritariamente em alguns dos países vizinhos: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito.

Uma dessas pessoas que fugiram da Síria é Rami, de 27 anos, que conta nesta reportagem que escapou da cidade de Raqqa quando esta foi tomada pelo grupo terrorista Estado Islâmico. "Era igual que viesse de uma das famílias mais poderosas da cidade. Se tivesse ficado, sem dúvida ter-me-iam matado, sem perguntas. O pior era que os meus próprios primos tinham também andado à minha procura. Quase todos tinham-se integrado no Estado Islâmico. Não havia ninguém que me pudesse proteger", relata.

Além disso, milhares de pessoas estão detidas, sequestradas ou desaparecidas e sofrem torturas e maus tratos, e cerca de 250.000 civis vivem em estado de sítio e têm falta de alimentos, medicamentos e combustíveis. Esta situação afeta gravemente a infância: na Síria, 5,6 milhões de crianças sofrem de situações de pobreza extrema, de acordo com dados da Unicef.

Afeganistão: os talibãs controlam parte do país

Ainda que a NATO tenha posto fim à sua missão de combate no Afeganistão no final de 2014, a situação no país está longe de ser estável. Nos primeiros seis meses de 2014, houve 4.853 vítimas civis do conflito bélico, uma cifra que duplicara desde 2009, segundo um relatório da Amnistia Internacional. Os talibãs continuam a controlar boa parte do país e existem detenções arbitrárias em que se nega aos suspeitos o devido processo. A Amnistia também denuncia violações da liberdade de expressão e aplicações da pena de morte em julgamentos sem garantias.

Segundo a ONU, oito em cada dez mulheres afegãs sofreram de assédio psicológica, física ou sexualmente. Esta reportagem conta como a artista Kubra Khademi, ao realizar uma performance reivindicativa nas ruas de Cabul, "teve que acelerar o passo e saltar rapidamente para dentro do carro de um amigo, porque pouco a pouco o seu passeio desafiante foi atraindo os transeuntes, uma autêntica multidão que a insultou, ameaçou e inclusive atingiu, até ao ponto de saltarem para cima do carro para evitar - sem sucesso - que se fosse embora".

Eritreia: um serviço militar obrigatório por tempo indefinido

O Relatório Mundial 2015 da organização Human Rights Watch (HRW) qualifica a situação de direitos humanos da Eritreia de "deplorável". Denuncia que as detenções arbitrárias são "a norma": os prisioneiros nem sempre conhecem as razões da sua detenção, ficam detidos por tempo indefinido e poucos ou nenhum deles são levados a julgamento. Também não são respeitados outros direitos humanos básicos como as liberdades de expressão, associação e religião: "Desde 2001, o Governo controla com firmeza o acesso à informação e não permite o trabalho de meios de comunicação independentes, sindicatos e ONG's", diz o relatório. Também afirma que o Governo "persegue" cidadãos de religiões diferentes às quatro reconhecidas (o islão sunita e os ramos cristãos ortodoxo, católico e luterano).

Outra das razões que empurram muitas pessoas para a fuga do país é o serviço militar obrigatório. Ainda que oficialmente dure 18 meses, na prática tem uma duração indefinida que com frequência se prolonga por uma década. "O serviço militar não tem um final, é para toda a vida", afirma um refugiado eritreu de 14 anos de idade num depoimento recolhido no relatório da HRW. Além disso, o serviço militar obrigatório é usado como fonte de trabalho forçado para o Estado.

Nigéria: o medo de ser sequestrado ou assassinado

A Nigéria também tem problemas graves de direitos humanos. "Mulheres, homens, meninos e meninas vivem num constante temor de serem assassinados e sequestrados por Boko Haram e de serem submetidos a detenção arbitrária, detenção ilegítima, tortura e inclusive execução pelo Exército", diz a Amnistia Internacional no seu site. 7 em cada 10 reclusos não foram acusados de qualquer delito.

A estes problemas juntam-se os ocasionados pela pobreza e a desigualdade. "Um em cada três nigerianos vive em bairros de barracas marginais ou assentamentos informais em condições de pobreza e superlotação, com acesso limitado a água apta para consumo e sob a ameaça constante de desalojamento forçado", diz a Amnistia.

Somália: a guerra dos 24 anos

Na Somália há um conflito armado pouco conhecido que dura há 24 anos e que "continua a deslocar, ferir e matar civis", diz o Relatório Mundial 2015 da Human Rights Watch. As forças de segurança são responsáveis por ataques indiscriminados, violência sexual e detenções arbitrárias.

A justiça é administrada em grande parte pela jurisdição militar, com procedimentos que não se ajustam aos padrões internacionais de julgamento justo. O grupo terrorista Al Shabab recruta crianças e ataca escolas, mas a ONU também documentou casos de recrutamento infantil por parte das forças do Governo.

Artigo de Jaime Sevilla Lorenzo e Raúl Sánchez, publicado em eldiario.es. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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